Quando levantamos a pergunta, o que é violência? Chegamos a diferentes respostas. A palavra violência decorre do Latim “violentia”, que significa “veemência, impetuosidade”. Mas, na sua origem, está relacionada com o termo “violação” (violare).
A violência pode se manifestar de forma explícita ou silenciosa, e em seus diversos tipos, como violência doméstica, contra a criança, sexual, urbana, etc. Pode surgir através de conflitos, abuso de poder, agressões; e tem como característica ser dirigida para algo, ou alguém, podendo ser recebida pelo próprio agressor, como situações de auto violação. Pode também se apresentar como, violência verbal, podendo causar danos morais, ou violência física, possibilitando aquelas sequelas que muitas vezes são mais aparentes.
Falaremos em diante, de uma violência que muitas vezes é difícil de ser percebida e acaba sendo negada pela sociedade, a violência intrafamiliar. Esta, acompanha os grupos familiares, de forma silenciosa, ou não.
Para enriquecer a discussão, me utilizarei de cenas do filme grego Miss Violence, que é quase uma “tragédia grega”, em que a violência aparece do início ao fim, em suas diversas facetas.
Me proponho neste trabalho a apresentar a temática da violência e suas diversas formas de se apresentar, sob a ótica do filme.
A trama se inicia quando a adolescente Angeliki, que está completando o seu décimo primeiro aniversário, comete suicídio pouco tempo após chegar em sua festa, acompanhada de sua tia de idade próxima, Mirto. Na festa que está sendo realizada em casa, só estão entre os convidados os próprios familiares, mãe, avós, tia e os irmãos.
A partir de então, uma sucessão de eventos chama atenção para o modo desta família funcionar, e considerando a maneira como se relacionam os personagens, há que se dar destaque à dinâmica incestuosa desta família e o lugar que cada um ocupa.
Logo após o suicídio da garota, mãe e avô, figura masculina dentro da casa, são convocados no Serviço Social para depor sobre o ocorrido. Eleni, mãe da garota, aparece desolada, e seu comportamento passivo e fora da realidade angustia o telespectador ao longo das próximas cenas. Afinal, o que é esperado de uma mãe que acaba de perder um filho(a) por suicídio? Sofrimento, dor e revolta talvez sejam sentimentos muito vistos quando se acompanham tais situações, e tudo isso aparece em Eleni de forma velada, como se não tivesse espaço ou permissão para aparecer. Em momentos que a moça busca expor seus sentimentos de dor e tristeza para a família é reprendida por seu pai, que não permite o choro e tem uma postura rígida diante da situação. Os outros familiares se calam e também não fazem nenhum movimento acolhedor ou de consolo.
Além disso, a personagem vem sendo medicada, aparentemente por calmantes dados por seu pai. A sensação de que Eleni está alheia pode ser constante quando se percebe a moça cuidando de seus filhos de forma infantilizada e regredida.
Da mesma maneira que o pai de Eleni reprende seu sofrimento, ele dita as regras da casa o tempo todo. É ele que faz a função social de acompanhar as crianças na escola e estabelece a ordem a ser seguida embaixo daquele teto. Mas o que vai se descobrindo sobre esse pai ao longo da trama é algo muito além do que havia aparecido até então.
Quando falamos de uma dinâmica incestuosa, estamos nos referindo a uma família repleta de segredos, em que as pessoas aparentemente não têm individualidade e não existe a discriminação clara dos papéis parentais e suas funções. E segredos e indiscriminação não faltam nesta família. Ao acompanharmos eventos intrigantes no filme nos deparamos com um questionamento importante: Quem seria o pai de Angeliki, a menina que cometeu suicídio e possível parceiro de Eleni? E das outras crianças? Fato importante de ser comentado é que logo no início da trama a moça conta para sua mãe que está grávida novamente, não revelando quem é o pai e a noticia é recebida de forma quase que natural por sua mãe, sem grandes questionamentos, como se ela soubesse muito bem o que acontece com Eleni.
A fisionomia das mulheres da família merece um destaque em nossa discussão sobre o filme, logo nas primeiras cenas, antes de Angeliki cometer suicídio, é possível notar que a garota e sua irmã mais velha, apresentam feições parecidas, e que se aproxima também de algo demonstrado por sua mãe, nos remetendo a uma certa indiscriminação entre este feminino, e algo muito presente em dinâmicas incestuosas.
Compartilha-se aqui uma percepção que pode ser o desvelamento de um segredo que vai sendo percebido ao longo da trama, mas que para que se continue clara a sequência de fatos do filme é algo precisa ser dito. O pai de Eleni possivelmente é pai das crianças que aparecem no filme, e também de Angeliki. A ideia é sugerida pois ele aparece como a única figura masculina que faz parte da rotina e da vida de todos ali. Bom, caso este não seja de fato o pai sanguíneo, ele aparece representando essa função social.
Além disso, percebe-se que ele e a avó, não atuam enquanto casal, o que aumenta o olhar para que Eleni tenha substituído alguma função dentro daquela casa, como a companheira sexual de seu pai, reforçando a ideia da indiscriminação de papéis. Percepção esta que provavelmente também é tida por pessoas que estão fora da família, como por exemplo, a médica que acompanha a nova gravidez de Eleni e que sugere em sua fala algo assim. O serviço social também desconfia que tem algo acontecendo ali no momento em que começam a investigar os motivos do suicídio de Angeliki.
O mundo externo parece ser algo que incomoda essa família, principalmente o patriarca. O contato com o que vem de fora aparentemente tem a tentativa de ser negado a todo o tempo. Na própria festa de aniversário de Angeliki, só tinham dentre os convidados pessoas da família.
Outro contato com o mundo externo aparece com uma cena em que a vizinha, tida como amiga de Eleni, se aproxima para conversar sobre como pode estar se sentindo após o falecimento da filha. As duas então são interrompidas por sons da tv, dando a sugestão que são colocados propositalmente pela mãe de Eleni para que se evitem trocas que não estão sendo controladas. Aliás, os canais da tv estão sempre passando conteúdo da vida animal, o que além de remeter para características primitivas desta família relacionada a uma dinâmica incestuosa, nos faz pensar que uma programação aberta não tem espaço dentro desta convivência. Após ser interrompida em seu momento de falar sobre o sofrimento, Eleni tranca-se no banheiro e chora embaixo do chuveiro, para que não escutem. Privacidade é algo que não existe dentro da família, o fato de ter se trancado causa desconforto nos demais familiares. Aliás, as portas dos cômodos devem ficar abertas o tempo todo, e quando a regra não é seguida, tira-se a porta, com a justificativa de que naquela casa não se tem nada a esconder. As chaves da porta da frente ficam sob a guarda dos pais de Eleni, e na verdade quem dita o que pode e não pode fazer seria o pai.
O contato com o externo parece ser mediado o tempo todo, como uma forma de se obter controle e poder, algo tão pretendido por este pai. É ele quem escolhe com quem as filhas irão se relacionar, o que a família pode e deixa de comer e também as roupas das crianças, além de outras questões que irei revelar logo a diante.
Quando nos perguntamos, de onde vem o sustento desta família, chegamos perto de desvendar algo tão importante do filme e segredos do incesto.
O patriarca aparece procurando um emprego logo após a morte de Angeliki, é aprovado e ao longo da trama aparece poucas vezes exercitando suas tarefas de trabalho, de forma que está sempre mais preocupado em controlar o que está acontecendo em sua casa, mesmo no período em que está fora. Em decorrência disto, é demitido por seus atrasos e faltas ao serviço, o que faz com que o telespectador se pergunte, então será que agora alguma dessas pessoas irá trabalhar? A avó não aparece fora da casa em nenhuma cena do filme, Eleni praticamente só sai enquanto está acompanhada de seu pai, e as crianças somente ao irem para a escola.
A única que busca outros contatos e que por isso é repreendida é Mirto. Esta que possivelmente tem um namorado fora da família recebe castigo algumas vezes por sair do sistema. Mas não se existe uma grande briga com Mirto até porque ela está envolvida na forma de sustento da família.
Algo revelador do meio para o fim do filme diz respeito a forma de sustento e toda a trama, o patriarca prostitui Eleni e Mirto, sendo assim, ele seleciona os homens que se relacionam com suas mulheres. Além de selecionar, o pai participa ativamente dos momentos da prostituição, escolhe a música que pode tocar no momento em que leva suas filhas, leva as roupas que devem usar para o programa chega até a dançar e tirar fotografias com os rapazes. Um prazer parece ser obtido para que se mantenha essa dinâmica por tanto tempo, e cabe aqui ressaltar que o ato sexual também se concretiza entre o pai e suas filhas, dando forma para que se saia de uma dinâmica incestuosa para uma cena que de fato aconteceu.
Neste momento também se revela o motivo do suicídio de Angeliki, faz parte do sistema familiar que as mulheres da família comecem a ter relação com este pai, e que a prostituição como forma de sustento se inicie após o décimo primeiro aniversário. Voltando para a primeira cena do filme, esta é marcada por Mirto e sua sobrinha, que está completando 11 anos, saindo por uma porta em que estavam conversando, ocasião em que o destino de Angeliki acaba de ser revelado.
A adolescente opta através da morte por não fazer parte desse sistema, trazendo à tona então algo que estava sendo velado por provavelmente muito anos. O suicídio denuncia que tem alguma coisa de preocupante nesta família, podendo ser visto como o sintoma de uma dinâmica disfuncional em que o incesto é concretizado.
O mal-estar do telespectador com tais desvelamentos de segredo pode ainda piorar. Com a morte de sua próxima fonte de renda, e com a gravidez de Eleni, o patriarca percebe que pode ficar sem parte de seu sustento. Para que Mirto não seja sua única carta no campo da prostituição, seu olhar se volta para o crescimento de sua possível filha mais nova, tratada como neta, Alkimini.
A garota que tem por volta de seus 7 anos aparece dançando sensualmente uma música colocada na sala, para toda a família. Tal fato chama a atenção do pai/avô, que aparentemente já tem um plano para ela.
Antes de continuar falando do destino de Alkimini, gostaria de falar um pouco de uma figura tão importante na trama e até o momento pouco citada.
A avó aparece sem qualquer sinal de feminino, passando boa parte da trama como uma figura omissa, com baixa vitalidade e como se estivesse na sombra deste avô/pai. Este que para ela poderia ser chamado de marido, se não fosse pela estranha relação que existe ali. Ela acompanha tudo, recebe ordens do marido e não demonstra de fato se incomodar com algo se considerarmos o fato de ela não se posicionar contra o que ele impõe, ela também participa de toda esta dinâmica. Alguma coisa intrigante acontece quando ela entrega uma carta para o marido, ele questiona se ela abriu a porta, reforçando a ideia de que é proibido o contato com o externo sem a ordem dele, diz ainda que naquela noite eles irão “jogar”. Ela parece ficar espantada, mas não traz muitos questionamentos. Nas cenas seguintes, a avó é tida como alguém que não pode sair do quarto por conta de uma enxaqueca, mas percebe-se que ela está toda roxa e que provavelmente foi espancada por ele, e não fica claro para quem assiste de que jogo se trata.
A figura intrigante da avó pode causar diferentes opiniões nos telespectadores, o que nos faz pensar que se trata de uma ambivalência ao mostrar seu comportamento. Enquanto pode-se entender que ela é mais uma vítima do sistema imposto pelo patriarca, a avó sabe tudo o que está acontecendo, acompanha e sua postura faz com que a engrenagem continue rodando e as coisas seguirem como estão. Mirto chega a dizer para ela, então sua mãe, que as coisas estarem como estão também por sua culpa e que ela nunca quer saber de nada. O que nos sugere uma postura tão violenta quanto a de seu marido, se considerarmos que a violência também pode ser silenciosa e por omissão de socorro.
Outro personagem que passa desapercebido e quase sem nenhuma fala ao longo do filme, é Philliphos, o filho mais novo de Eleni. O único momento em que recebe atenção é quando surge uma reclamação de agressividade na escola, e tal comportamento é assistido com ainda mais violência. Seu avô/pai, pede que Angeliki de tapas na cara do garoto. Tal cena pode levar o telespectador a se questionar se a infância do patriarca foi marcada por vivências assim, e agora o que faz é reproduzir o ciclo da violência que estava ali instaurado, se considerarmos que Philliphos representa a única figura masculina, além do pai, e mais nova do filme. O que é feito então é colocar o garoto em uma posição que fique com raiva da irmã, e possivelmente do sexo feminino. Outro ponto que se pode pensar é que o garoto que nasceu, no meio de outras meninas, não servirá para a prostituição, o que pode fazer com que se perca um valor na família. Fica aqui um questionamento que pode ser interpretado de diferentes formas, e mais uma coisa intrigante, que masculino é esse que toma conta da casa, ora tão forte e ditador, e ora tão frágil.
Voltando para as cenas do filme e se aproximando do final, a família recebe então a visita do serviço social para investigar que mistérios moram naquela casa. Enquanto arrumam a casa e enchem a geladeira, a família recebe até mesmo vistoria nos armários em busca de algum tipo de negligência. Externamente, está tudo arrumado.
O problema começa a aparecer quando um dos investigadores descobre, ao conversar com as crianças, que Eleni está grávida novamente e aparentemente fora de um relacionamento sério. A família comenta rapidamente o nome e endereço de um amigo do patriarca que aceitou, mediante pagamento financeiro, acobertá-los nessa situação para que as coisas não piorem. E após tentar controlar tanto a situação, o pai/avô escuta ao final da visita que: ‘’É como se nada tivesse acontecido aqui…”. Pode-se olhar a tal frase como uma vitória para o patriarca, pois este busca o tempo todo controlar situações e até mesmo os sentimentos dos familiares, como se isso fosse possível.
O filme então tem um desfecho que acima já havia sido sinalizado, ao notar que a filha mais nova Angeliki, poderá ser iniciada na prostituição, o patriarca a leva na casa de um de seus clientes que efetiva o abuso com a garota sob os cuidados de seu pai/avô.
Percebe-se aqui um comportamento disfuncional esperado por aquele que poderia proteger, e ao invés disso, coloca sua filha diante de tamanha violência. Esta busca proteção também na figura de sua mãe, que ao chegar do momento em que foi abusada chama por Eleni, que segue alheia à realidade e não tem condições de exercer seu papel de mãe e protetora, protagonizando uma cena de negligência e consequentemente, violência silenciosa.
A tragédia grega chega ao fim com um desfecho que surpreende o telespectador. Ao que tudo indica, quando o patriarca leva Angeliki para a prostituição ele possivelmente quebrou um pacto que estava acontecendo já há algumas gerações, em que o sistema da família funcionava a partir do décimo primeiro aniversário e não antes que isso. Quando se rompem regras, o sistema parece mudar. Eleni então acorda e vai ver como o pai está naquela manhã. Ao entrar no quarto é surpreendida pelo patriarca morto e esfaqueado em sua cama, Eleni aparece com uma feição que pode ser interpretada como uma mistura de satisfação, horror e alegria, indiscriminação que a acompanha em muitos momentos do filme.
Ao que tudo indica, a autora do crime seria a mãe de Eleni, e avó das crianças. Ao se concretizar a morte do pai, sua mãe dá a seguinte ordem:
“Eleni, tranque a porta”
Tal frase nos remete a dúvida sobre o que vai acontecer a partir de agora.
Podem ser feitas várias leituras. Ao trancar a porta e com todos dentro, sugere-se a ideia de que as coisas vão continuar como eram, se consideramos que simbolicamente este trancar significa que nada sairá dali, e com isso tudo segue como estava acontecendo até então, dando sequência à dinâmica incestuosa instalada. Se olharmos que a avó estava em sofrimento e por isso deu fim ao marido, sugere-se a ideia de que também colocará fim nos outros envolvidos. De uma coisa temos certeza com o fechamento proposto pelo filme, o mistério continua e algo nebuloso característico de famílias incestuosas, permanece.
E agora olhamos o que a família apresentada acima pode ter como semelhança às famílias atendidas no CEARAS, Centro de Estudos e Atendimentos referentes ao Abuso Sexual da Faculdade de Medicina de São Paulo, lugar em que fiz minha Formação em atendimento à famílias incestuosas que deu origem a esse texto.
No CEARAS são atendidos casos de famílias que tiveram alguma denúncia no judiciário referente à abuso sexual intrafamiliar. São então encaminhadas para receberem o atendimento familiar necessário e que se atenta à dinâmica existente, com a busca de quebrar um possível ciclo de violência.
Segundo as teorias psicológicas, a não atuação do incesto permite a diferenciação e a simbolização de funções dentro da família (pai, mãe e irmãos), possibilitando o desenvolvimento do indivíduo e da família. Nesta perspectiva, a proibição do incesto é um fator organizador, demarcando limites (COHEN, 1993).
Nota-se nas famílias atendidas semelhanças com o filme, quando encontramos mães parecidas com Eleni, que muitas vezes se mostram alheias a uma situação, talvez por não aguentarem lidar com angustias e romper um ciclo existente há muitos anos.
O medo presente em romper algo e ter que denunciar, é angustiante também para quem está de fora e acompanha os possíveis danos que podem ser causados a partir da dinâmica incestuosa e abuso sexual.
A violência sexual pode ser caracterizada por um ato ou jogo sexual, em uma relação heterossexual ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente esta criança ou adolescente, ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou de outra pessoa (AZEVEDO; GUERRA, 1998, p.33).
Para Florentino (2015) O abuso sexual caracteriza-se por qualquer ação de interesse sexual de um ou mais adultos em relação a uma criança ou adolescente, podendo ocorrer tanto no âmbito intrafamiliar – relação entre pessoas que tenham laços afetivos, quanto no âmbito extrafamiliar – relação entre pessoas que não possuem parentesco.
Encontra-se, na literatura existente, a concordância entre os especialistas em reconhecer que a criança vítima de abuso e de violência sexual corre o risco de uma psicopatologia grave, que perturba sua evolução psicológica, afetiva e sexual (ROMARO; CAPITÃO, 2007, p. 144)
E como trabalhar famílias que estão em uma dinâmica incestuosa há tanto tempo e tão desestruturadas em seus papéis, podendo causar danos psíquicos graves?
O conceito de família que nos referimos aqui, funcionando como base do tecido social, pode ser definido pela existência de um laço emocional diferenciado que justifique uma relação da qual se esperam funções psicoafetivas relativas a membros de uma família. A definição de que o incesto se manifesta através do relacionamento sexual entre pessoas que são membros de uma mesma família (exceto os cônjuges), sendo que a “família” não é definida apenas pela consanguinidade ou mesmo afinidade, mas, principalmente, pela “função social de parentesco” exercida pelas pessoas dentro do grupo. (COHEN; GOBBETTI, 1998)
O trabalho complexo pode se iniciar acompanhando toda a família, sem definições de vítimas e agressor, mas sim considerar que se algo se concretizou ou chegou perto disto, todos que fazem parte deste círculo familiar podem ter colaborado de alguma maneira, seja pela agressividade física, dificuldade de conter os instintos, ou até mesmo pelo silencio e não posicionamento frente às situações.
O “não” à atuação dos desejos edípicos delimita as fronteiras entre o desejo e a realidade. Segundo FREUD, existe um antagonismo entre as exigências dos impulsos e a inserção do indivíduo na cultura e o indivíduo sempre deverá lidar com esse conflito. O desejo incestuoso, presente em todos os seres humanos, deve ser reprimido para a sobrevivência da civilização: “O incesto é antissocial e a civilização consiste numa progressiva renúncia a ele” (FREUD, 1930).
A partir do que foi apresentado no filme Miss Violence conclui-se que quando falamos de incesto, nos referimos à algo que nos causa confusão, por sua indiscriminação e situações que acabam sendo veladas.
O incesto é muito mais que o abuso concretizado em si, ele acontece de maneira silenciosa e, para que a dinâmica seja interrompida, precisa ser trazida à tona, dando oportunidade para que os ciclos sejam rompidos.
Autora: Ana Cecília Pagliarini de Souza
Coordenadora do programa Retocare
Referências bibliográficas:
AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A. Pele de asno não é só história… um estudo sobre a vitimização sexual de crianças e adolescentes em família. São Paulo: Rocca, 1998.
COHEN, C. O Incesto um desejo. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1993.
COHEN, C; GOBBETTI, G.J. “Abuso Sexual Intrafamiliar” Revista Brasileira de Ciências Criminais. v.6, n.24, p. 235-43, 1998. FLORENTINO, B.R.B. “As possíveis consequências do abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes.” Revista de Psicologia, v. 27, n. 2, p. 139-144, maio-ago. 2015
FREUD,S. (1930) “O mal estar na civilização”. In Freud,S. Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro, Imago, 1980, v.19.
ROMARO, R. A; CAPITÃO, C. G. As faces da violência: aproximações, pesquisas, reflexões. São Paulo: Vetor, 2007.