Escrito por Ingryd Abrão, coordenadora do programa Apoiar
Estava pensando sobre o tema que iria abordar nessa publicação, e me ocorreu escrever sobre algo que tem chamado muito minha atenção ultimamente.
Apesar de já trabalhar cuidando de cuidadores há alguns anos, através de supervisões em SAICAs, MSEs e CCAs, vejo cada dia mais que profissionais que atuam com crianças e adolescentes estão entrando em colapso e crises emocionais fortíssimas. Diante dessa problemática, vejo uma enorme necessidade de enfatizar a importância do cuidado com o cuidador.
Com os desafios crescendo e se modificando a cada dia nas Instituições, há uma urgência e prioridade em atender as necessidades de escuta e acolhimento de angústias dos educadores e gestores, no que se refere ao papel que estes profissionais desempenham na vida dessas crianças.
Tenho visto inúmeros bons profissionais, alguns de vasta experiência, adoecerem. Apesar da competência, não estão isentos aos impactos causados por sua área de atuação. Muitos infelizmente entraram em colapso físico e/ou emocional. E se isso acontece com estas pessoas, pode acontecer com qualquer um.
É lógico que estar trabalhando com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, não necessariamente irá provocar o adoecimento dos profissionais, pois os efeitos em cada pessoa têm a ver com a história de vida que cada um carrega, da percepção e interpretação das coisas, além da maneira como se encara as situações e exercício da resiliência.
De qualquer forma, muitas vezes o cuidado focado no profissional é posto de lado, a fim de priorizar outras demandas que se julgam necessárias, deixando esquecido o mais importante, que é a saúde física e psíquica daquele que está trabalhando na “linha de frente”. Então, o que começa pequeno se torna grande e o probleminha acaba se tornando um problemão.
Então, o que fazer para não chegar a este ponto? Como cuidar das demandas do trabalho sem perder de vista a nossa própria integridade como indivíduos? Essa é uma pergunta que sempre devemos fazer para nós mesmos.
Daí vem a importância de tudo o que se refere ao cuidado neste caso – o cuidado com o cuidador.
Quero enfatizar uma das formas de cuidado, que é o acolhimento da equipe de educadores.
Escutando muitas das falas que educadores trazem, nota-se que são inúmeras as dificuldades que enfrentam no dia a dia. Normalmente eles já carregam uma bagagem de vida com experiências da infância ou adolescência muito intensas, que acabam refletindo no olhar para aquela criança ou adolescente. Às vezes existe também a necessidade de uma quebra de conceitos enraizados que não são fáceis. Em outros casos, faltam mesmo informação e preparo, dificultando o alinhamento de condutas dentro da equipe.
Algumas dificuldades também se tornam comuns em grupos de Instituições, como por exemplo: falta de confiança entre eles, disputas, falha de comunicação, expectativas irrealistas sobre o outro, falta de colaboração no trabalho em equipe, entre outras, as quais impactam diretamente nos educandos.
Além disso, não é nada fácil trabalhar com a temática da violência. Você já ouviu falar em fadiga por Compaixão? Esse é o nome do processo no qual o profissional ligado ao atendimento de uma clientela, que tem como demanda o sofrimento, torna-se fatigado, exausto física e mentalmente, devido ao constante contato com o estresse provocado pela compaixão (Bride et al, 2007). Outro impacto é a questão do trauma em crianças e adolescentes atendidos. Aqueles profissionais que atendem questões tão complexas envolvendo trauma, muitas vezes podem acabar manifestando os mesmos sintomas destes. A Traumatização Vicariante é o processo na qual as transformações nos esquemas cognitivos e no sistema de crenças do profissional ocorrem em decorrência do contato com as experiências traumáticas dos pacientes (Bride et al, 2007).
Ou seja, os próprios educadores podem apresentar transtornos somatoformes (sintomas físicos desencadeados pelo psiquismo) como dores de cabeça, gastrite, alergias, palpitações, além de isolamento social, tristeza, autodepreciação, alterações da crítica e do julgamento.
Esses sintomas acontecem muitas vezes porque há um desamparo muito grande com a própria equipe que sempre está cuidando, mas que também necessita ser cuidada. Isso gera um ciclo, onde a falta de olhar para a equipe acaba afetando negativamente na maneira como esta vai agir com os educandos. E estes, por sua vez, acabam respondendo agressivamente.
Com tudo isso, infelizmente, na maioria das vezes alguns educadores acabam “ligando o piloto automático” para suportar tudo, mas acabam por perder a sensibilidade, a observação e escuta. Tentando sua própria sobrevivência, esquecem que estão lá para garantir a sobrevivência de outros. Isso se não chegarem a pedir demissão por considerarem a carga pesada demais. Ou as vezes acaba gerando um outro problema: uma circulação muito grande de funcionários, que não se estabelecem em um mesmo local tempo suficiente para que um trabalho bom seja construído.
Portanto, a mensagem que gostaria de enfatizar é que, para cuidar, temos que ser cuidados e amparados. Isso se torna um espiral positivo, pois só damos daquilo que recebemos. O nosso cuidado deve estar em primeiro lugar e temos que preservar isso a todo custo.
Por isso, a equipe do Espiral busca fortalecer o cuidador, através de 5 pilares:
Resiliência – fortalecer a autoestima e confiança, ativar fatores de proteção e focar nos recursos.
Corpo – possibilitar uma ressignificação das experiências negativas da vida que ficaram registradas no corpo.
Vivência – possibilitar a elaboração de conteúdos psíquicos através de experiências lúdicas e vivenciais, pela dimensão não verbal.
Grupo – trabalhar a relação com o outro, treinar a socialização, exercitar limites, respeito, empatia e liderança, promover o compartilhamento de conflitos e tensões e incentivar a criatividade.
Símbolo: através da abordagem Junguiana, promover o desenvolvimento do ego.
O espaço de supervisão de equipe vem para suprir todas essas necessidades, tratando das demandas que os profissionais trazem e atuando na prevenção de futuros transtornos psicológicos que podem acometê-los mais tarde. Percebe-se que quando recebem um amparo adequado num primeiro momento, evita-se que problemas maiores venham à tona posteriormente.
O cuidado com o cuidador se traduz sempre em bem-estar, afetando diretamente o desempenho de suas funções, tornando-o satisfeito, realizado e saudável.
Portanto, cuide de quem cuida!
Referências:
BRIDE et al. Fadiga por compaixão: quando ajudar dói. 2007. PDF disponível em https://www.researchgate.net/publication/30865395_Fadiga_por_compaixao_quando_ajudar_doi [acessado em 19 de setembro de 2017].
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