top of page

Agressão na educação

Por que caso Pequiá choca e palmadas, em casa, não?


Foto: Freepik

Recentemente, virou notícia o caso da escola Pequiá, no bairro do Cambuci, em São Paulo, na qual professores agrediam crianças fisicamente: amarrando-as, forçando-as a comer, a ficar na chuva. O caso veio a público depois da denúncia feita por uma das professoras da escola.

A história e as cenas, filmadas pela professora, são chocantes, angustiantes e levantam diversas questões. Entre elas, a principal é: o que leva um adulto – educador – a agir dessa forma?

Quando olhamos o complexo fenômeno da violência, observamos alguns padrões. O primeiro deles é que a violência, independente de qual for, sempre envolve uma relação de poder, seja ela baseada na idade, no gênero, na cor de pele, em cargos de trabalho, etc.

O segundo padrão é  a  objetificação do outro, ou seja, o autor da violência deixa de tratar o outro como um ser humano digno de direitos e de respeito, mas o trata como um objeto. E tal qual um objeto, pode ser tratado da forma como o outro quiser.

Os dois padrões são visíveis quando falamos de violência contra crianças e adolescentes. Contudo, nestes casos, há algumas especificidades importantes de serem lembradas. Primeiramente, é importante observar a ideia de infância que, historicamente falando, é recente, e mais recente ainda a ideia de que as crianças são sujeitos de direitos. Em segundo lugar, deve-se lembrar que a punição corporal era vista como método disciplinar, e para muitas pessoas ainda o é.

Na situação da escola Piquié, podemos observar estes fenômenos em ação. As crianças, amarradas a colunas ou sendo obrigadas a ficar na chuva, claramente não estavam sendo vistas como outros seres humanos, com sentimentos e desejos, assim como qualquer outra pessoa, mas como objetos, como coisas. As violências, por sua vez, eram vistas como método disciplinar, uma forma de educação e ensino. Tudo isso ocorrendo em uma estrutura onde o adulto – educador – detém todo o poder sobre aquela criança.

É relativamente fácil observarmos esse fenômeno no caso da escola, no qual vemos uma situação extrema de violência. Todavia, isso também pode ser observado em menor escala em outros ambientes. A Lei Menino Bernardo, conhecida como Lei da Palmada, estabelece que toda criança tem direito de ser educada sem o uso de castigos físicos, de tratamento cruel ou degradante. Essa lei, de 2014, foi, e ainda é, alvo de muitas opiniões controversas, com afirmações de que ela está intervindo na vida familiar e de que palmada não é violência.

Os defensores da palmada frequentemente alegam que foram educados dessa forma e que “se tornaram bons cidadãos”, “não tiveram traumas” e “aprenderam a diferenciar o certo do errado”. Mas será que é realmente assim? Convido estas pessoas a lembrarem das situações em que apanharam, se realmente compreenderam o que haviam feito de errado ou se apenas tinham medo de apanhar novamente. Além disso, convido-as também a refletir sobre o exemplo que estão dando para as crianças: que é aceitável agredir os outros para impor suas vontades. Ou, ainda, que o amor é acompanhado de violência, o que faz com que, muitas vezes, as crianças (ou mulheres) em situação de violência não consigam identificá-la.

É importante lembrar, também, que a violência não é apenas física, mas também psicológica, como os gritos, xingamentos e humilhações – que também ocorreram no caso da escola Piquiá – e que esse tipo de violência é tão nocivo quanto a física. Ambas as violências podem afetar a forma como o indivíduo vai se relacionar com as autoridades, sua autoestima, podendo levar a sintomas de depressão e/ou ansiedade.

Vale ressaltar que, segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), todos temos a obrigação de proteger as crianças e adolescentes da violência. Para isso, precisamos estar atentos aos sintomas e comportamentos das crianças, saber quais são os comportamentos esperados e não esperados de cada faixa etária e repensar nossos próprios comportamentos e opiniões.

Cabe, então, mais um questionamento: Por que o caso da escola Pequiá é tão absurdo e causa tanta comoção, sendo que até hoje a palmada – uma forma de agressão física – é considerada, por muitos, como apenas mais um método disciplinar? Por que é tão absurdo uma professora agredir um aluno, mas não um pai ou mãe agredir um filho? Por que normalizamos certas violências e nos indignamos com outras? Que tal refletirmos sobre isso?


Autor: Lucas Labaki Psicólogo formado pela PUC-SP, com especialização em psicologia junguiana e abordagem corporal. Coordenador do Projeto Renovar, que realiza atividades socioeducativas com adolescentes, educadores e familiares.


4 visualizações
bottom of page