Ataque em escola da Vila Sônia, na Capital, é uma situação desafiadora para toda sociedade, mas passa, sobretudo, pela importância do olhar sobre os sofrimentos que afligem as crianças e adolescentes
Essa semana, mais uma vez, infelizmente, um grave ato de violência dentro de uma unidade escolar em São Paulo, a Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste da capital paulista, causou indignação. Várias são as análises e apontamentos quanto ao caso, mas o momento exige, antes de tudo, um cuidado diante das culpabilidades, criminalizações e até a “patologização” sobre a situação.
É necessário pensar no cuidado das vítimas e suas famílias, sobretudo, a família da vítima fatal, a professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos. Cuidar de toda equipe e comunidade escolar, abrindo espaço para a reflexão, expressão e elaboração do evento ocorrido. Uma vivência como essa precisa ser escutada, falada e acolhida e as atividades retomadas, restabelecendo um ambiente seguro para a convivência. Eventos desse tipo têm alto impacto e causam traumas em todos, dentro e fora da escola.
O cuidado e acolhimento com o adolescente que cometeu os atos infracionais e com a sua família também é importante. Entendendo-se, aqui, que ele deverá ter a devida responsabilização legal, conforme prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Mas, ressalta-se a relevância, principalmente, do cuidado em compreender a saúde mental e emocional do jovem, pois este ato não ocorreu espontaneamente.
O adolescente já tinha um histórico de atos de violências e, inclusive, estava sendo vítima de um processo de violação. Deve-se pensar nessas ocorrências não como violências isoladas, tomando os aspectos subjetivos de um único adolescente como causa, mas vê-los inseridos em um ciclo social da violência, familiar e comunitária. Vale ressaltar que, quando falamos em comunidades, levamos em consideração também as “virtuais”, que são mais reais do que aparentam ser.
Neste momento, diversas críticas e propostas para o enfrentamento surgem, embora este seja lamentavelmente mais um dos muitos casos de violência em escolas cometidos por alunos ou ex-alunos nos últimos 20 anos. Segundo pesquisa da Unicamp, nesse período foram 34 mortes, sendo 24 delas de alunos (as).
São diversos os fatores que impulsionam esses episódios de violência, como a intolerância às diferenças: misoginia, homofobia, racismo, bullying, conflitos familiares e ambientes relacionais não seguros, a influência negativa das redes sociais, entre outros. Em suma, questões relacionadas ao âmbito socioemocional da criança e/ou adolescente e à sua saúde mental.
Os homens são os que mais matam em ataques deste tipo, no Brasil e no mundo. Nos últimos vinte anos, dos 16 ataques em escolas levantados pelo Instituto Sou da Paz, todos foram cometidos por pessoas do sexo masculino. Casos frequentemente associados aos diversos tipos de violência anteriores, cometidos por alunos, ex-alunos ou familiares, são diretamente associados à cultura machista, visto que ainda estamos numa sociedade em que há pouco espaço para a escuta de meninos e homens. Não há incentivo para que eles externem, em tom de desabafo, os seus sofrimentos e as suas angústias, marcas que os acompanham há muito tempo. É uma cultura pautada na razão e não na emoção. Tudo isso aponta para a necessidade de mecanismos de conscientização, como a prática preventiva a episódios como esse.
Esta é uma situação desafiadora para toda sociedade, mas passa, sobretudo, pela importância do olhar sobre as relações e sofrimentos que afligem as crianças e adolescentes. É urgente a necessidade de promovermos espaços de escutas qualificadas, individuais e coletivas, para além da ideia de dispor de um profissional especializado. É preciso estabelecer uma cultura de paz e uma constante vivência em educação socioemocional. Necessitamos de novas tecnologias de convivência para os jovens que estão em desenvolvimento, bem como para os profissionais de educação e demais cuidadores/tutores de crianças e adolescentes.
Autores:
Alfredo Scheer, cientista social formado pela Universidade de São Paulo (USP). Em 2022, começou no monitoramento de dados do Núcleo Espiral. Tem experiência como acervista e na catalogação de obras.
Ariela Kalili, psicóloga, educadora, aprimorada em Desenvolvimento Humano para infância e adolescência pelo HCFMUSP, pós-graduanda em Educação Sistêmica pela Pedagogia Para Liberdade. Coordenadora da Área de Assistência Psicológica e Formadora de Educadores no Núcleo Espiral.
Josenildo Luiz Gonzaga, pedagogo, educador social, pós-graduado em Educação em Direitos Humanos (UFABC), pós-graduado em Pedagogia Social (USP). Coordenador no projeto Renovar- Núcleo Espiral.
Samara Peloso, psicóloga com especialização em psicologia analítica. Tem experiência em atendimentos de vítimas de traumas e violências.