Muito se fala da tristeza provocada por uma tragédia como a ocorrida no litoral norte paulista, mas, hoje, queremos abordar o outro lado da história: o da resiliência
E, infelizmente, o filme se repete…Nesses últimos dias é o litoral de São Paulo que têm sofrido com as fortes chuvas, os deslizamentos e alagamentos, acarretando nas mortes de muitas pessoas, sem contar a quantidade de desabrigados e desalojados. Um cenário triste de se reviver!
A minha primeira atuação em emergências, em 2011, foi em um contexto muito parecido, por meio do Instituto Karunã. Há 12 anos, a cidade de Nova Friburgo (RJ) também passou por um desastre por conta das enchentes. Foram 905 mortos, entre eles, bombeiros na tentativa de procurar acesso a áreas com deslizamento. Além disso, houve o registro de 345 desaparecidos e 34.600 pessoas desabrigadas ou desalojadas na região.
No caso do litoral norte paulista, neste ano, já foram identificados mais de 40 mortos e cerca de 2,5 mil pessoas estão desalojadas ou desabrigadas.
Eu teria muito para dizer, no sentido de trazer informação, expondo as manifestações psicossociais em situações de catástrofes naturais e o que ocorre em cada fase: os primeiros auxílios psicológicos e princípios técnicos, as reações normais e as psicopatológicas, o trauma vicariante que acomete profissionais da área da saúde, entre outras coisas importantes, mas, desta vez, vou me ater ao lado oposto desta faceta, a resiliência.
Já temos ouvido muito falar dos aspectos trágicos, das inúmeras mortes e do cenário traumático que mais lembram uma guerra. Pouco se fala da presente luta pela sobrevivência, da graça vivenciada no meio de tantas desgraças e da força de superação advindas dos momentos de dor e fraqueza. Isso não é fechar os olhos para a realidade, mas abraçar todo sofrimento e sair da paralisação. Olhar para fora e identificar a necessidade tão latente diante de nós.
O conceito de resiliência para a psicologia, de maneira bem breve, refere-se à capacidade do indivíduo de enfrentar as adversidades, manter uma habilidade adaptativa, ser transformado por elas, recuperar-se ou conseguir superá-las. Mas, hoje, quero transmitir uma frase para falar de resiliência, algo simples que me chamou atenção, descrito em um quadro na parede da casa de uma senhora no alto do penhasco, quando fotografei em visita domiciliar durante os atendimentos em Nova Friburgo: “Para ajudar a quem sofre, diz você que nada tem. Não diga, porém, não posso na sementeira do bem. Se você tudo perdeu e crer, escute: Recomecemos. Você consegue sorrir”. Adolfo Bezerra de Menezes.
O que move as pessoas a se ajudarem mutuamente quando já sofreram tantas perdas? Como a morte de entes queridos ou a dor de deixarem seus lares para trás não as deixa “presas” em tamanha desgraça?
Acredito que o que move o ser humano é o senso de que pertencemos a algo maior, um amor abnegado, em que a dor do outro (coletiva) dói em nós mesmos. É o sentimento de que o sofrimento, de alguma forma, precisa ser acolhido e compartilhado. O vigor da vida pulsa em momentos como este, no despertar para a realidade, extraindo o melhor de cada um. Nisso, encontra-se refúgio e descanso.
Das perdas, nasce a urgência em tirar dos escombros algo próprio, advindo de seus recursos internos e externos, que se convergem em ações de contribuição. Tais atos podem ser: resgaste ou socorro às vítimas; suporte psicológico; distribuição de alimentos e remédios; e/ou orientação à população. Neste momento, todos se tornam um e, em um trabalho conjunto, vidas podem ser reconstruídas. Voluntários ou até mesmo vítimas podem dar sentido às suas próprias existências.
Encerro com a foto do atendimento feito às crianças em uma escola que estava servindo de abrigo, na época.
G., de 8 anos, angustiado, fez o desenho das enchentes em quatro quadrantes, com lápis preto, por meio de uma técnica aplicada. Conforme desenhava, era visível como sua ansiedade diminuía. O último desenho que fez, no verso da folha, teve uma notória diferença. Com muitas cores vivas, converteu a chuva, que antes causava destruição, em água que rega as plantas e as faz crescerem. Em outra folha, desenhou uma casa, com o sol sorrindo.
Esse é um exemplo vivo de resiliência: crianças transmitem esperança e conseguem ver o sol sorrir após uma imensa tempestade.
Veja como ajudar as vítimas da chuva no Litoral Norte de SP no site: https://www.sonoticiaboa.com.br/2023/02/21/veja-como-ajudar-vitimas-chuvas-litoral-norte-sp. Faça sua parte!
Autora: Ingryd Abrão Diretora Operacional da ONG Núcleo Espiral, psicóloga clínica especialista em emergências e crises.