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Quando falamos de transexualidade, do que estamos falando?

A transexualidade pode ser notada ainda na infância. Neste caso, a criança precisa de acolhimento para denunciar possíveis violências físicas e psicológicas



Foto: Divulgação/Pixabay

Vivemos em uma sociedade na qual sexo e gênero são frequentemente confundidos entre si. Ou seja, quando nasce um bebê do sexo masculino, atribui-se a ele uma série de estereótipos relacionados ao que se espera gênero masculino.

O mesmo acontece quando nasce uma bebê do sexo feminino: atribui-se a ela estereótipos geralmente ligados ao gênero feminino.

A esse fenômeno, no qual o sexo biológico determina seu gênero, damos o nome de cisnormatividade. Desse modo, nascemos e crescemos com expectativas sobre o que devemos ser e sobre como devemos nos portar. Em muitas pessoas, essa correlação entre sexo e gênero faz sentido – e mesmo assim essa pessoa pode romper com alguns destes estereótipos pré-estabelecidos.

Em outras pessoas, essa relação não existe. O fato dela ter nascido com um determinado sexo não quer dizer que ela seja daquele mesmo gênero. A isso, chamamos de transexualidade. Há uma discordância entre sexo biológico e gênero.

Infelizmente, as pessoas trans, no Brasil e no mundo, sofrem com uma série de preconceitos, ao que chamamos de transfobia. De que violências estamos falando quando falamos de transfobia?

Primeiramente, estamos falando de uma violência estrutural e sistêmica. Quando se nasce em um mundo cisnormativo, o fato de ser trans, por si só, já gera olhares tortos, estranhamentos, agressões verbais e físicas, além da privação de direitos.

Não é raro ler notícias de pessoas trans que tiveram seus direitos negados. Coisas que para pessoas cis (aquela que tem seu gênero alinhado com seu sexo biológico) são simples e corriqueiras, como ir ao banheiro ou ser tratado pelo próprio nome, são fontes de angústia para pessoas trans. Não é fácil tentar ser você mesmo em uma sociedade que afirma que sua identidade é errada, imoral e diabólica.

O processo de se compreender trans é complexo e pode ocorrer em qualquer momento da vida. Recentemente, temos visto e ouvido cada vez mais sobre as crianças transexuais, que serão o foco desse texto.

Normalmente, os primeiros indícios de que uma crianças é trans começam na forma de comportar, de brincar e de se vestir. Crianças nascidas no sexo masculino que gostam de rosa, de vestidos e de brincar de boneca. Crianças nascidas no sexo feminino que querem o cabelo curto, brincar com carrinhos e usar azul. Contudo, isso não é suficiente para determinar uma criança trans. Afinal de contas, não há nada de errado em um menino gostar de bonecas e em uma menina gostar de carrinhos.

Há um outro fator importante neste processo: as crianças não se sentem confortáveis com seu próprio corpo.

Quando começam a manifestar isso, é comum que as famílias não compreendam, ou que achem bobagem ou fantasia de criança. Mas esse desconforto de gênero gera angústia e sofrimento. É importante, então, que essa família acolha e escute a criança. Para ajudar, a família pode começar a chamá-la por outro nome, usar outros pronomes e até deixá-la usar as roupas que quiser.

Contudo, também é necessário buscar ajuda profissional. No Brasil, são apenas três ambulatórios para atendimento vinculados a centros de pesquisa. Há o Amtigos (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual) do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas de São Paulo. Há outro em Porto Alegre, ligado à UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), e um na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Há também algumas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) que realizam esses atendimentos.  

Os atendimentos a crianças trans podem incluir, além do acompanhamento psicoterapêutico, bloqueadores hormonais e, ao longo da puberdade, uma terapia hormonal. A cirurgia de redesignação sexual pode ocorrer apenas após os 18 anos.

Vale ressaltar, entretanto, que, a transexualidade não é uma doença, de modo que não há cura ou “reversão” possível. Os tratamentos e acompanhamentos médicos colaborarão para que a pessoa tenha uma vida mais saudável, física e mentalmente, de acordo com o gênero com o qual se identifica.

É comum, também, que as famílias precisem de acompanhamento psicológico, pois geralmente é difícil compreender a situação. Muitas vezes, este é o primeiro contato que elas têm com o tema, ou seja, podem estar rodeadas por desinformação e estereótipos.

Elas precisam de ajuda para assimilar essa nova realidade. O auxílio é necessário para que as famílias possam ser acolhedoras com seus próprios filhos. Além dos serviços citados acima, há ONGs que podem ajudar neste processo, como a Associação das Famílias de Transgêneros.

Para a criança, a necessidade de um acolhimento familiar não ocorre apenas no momento da transição, mas durante toda a vida da criança. Ela precisa de um canal aberto e acolhedor para denunciar possíveis violências físicas e psicológicas. Esse processo será difícil de qualquer forma, mas se tornará ainda mais difícil se não tiver um porto seguro em casa.


Autor: Lucas Labaki

Psicólogo formado pela PUC-SP, com especialização em psicologia junguiana e abordagem corporal. Coordenador do Projeto Renovar, que realiza atividades socioeducativas com adolescentes, educadores e familiares.

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