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Qual o limite entre brincadeira e agressão

Brincadeiras agressivas × brincadeiras saudáveis – o contato corpo a corpo é usado para se vincular ou para violentar?


Foto: Pixabay

Você, com certeza, já viu ou ouviu algo sobre aquelas famigeradas “lutinhas de brincadeira”. Às vezes, acontece entre crianças, outras, com participações de adultos. O fato é que tais atitudes são incentivadas por uma masculinidade tóxica. E isso explica o porquê geralmente meninos/homens estão envolvidos nelas.

Mas até que ponto devemos aceitar essas “lutinhas” como algo normal? Quando um adulto está envolvido, quando podemos considerar uma agressão? É esse o debate que faremos neste texto.

Existem vários indicadores que ajudam a discernir se uma criança está sendo vítima de agressão, ou seja, de atos que extrapolam uma simples brincadeira.

Um dos sinais leva em conta o aspecto físico, que pode ser observado claramente por meio de traumas, hematomas, lesões, dores, distúrbios de sono e também doenças psicossomáticas, como: dores de cabeça, náusea, vômito e diarreia. Existem também os indicadores emocionais, que podem envolver medo, ansiedade, vergonha, repulsa, culpa, constrangimento e sensação de falta de valor.

Além desses, existem os indicadores interpessoais – que afetam a relação com os outros de forma geral, entre eles: medo da intimidade; confusão de papéis e redução das habilidades de comunicação. No aspecto cognitivo, é comum observar uma baixa concentração e atenção, dissociação e refúgio na fantasia.

Já no aspecto comportamental podem aparecer mudanças nos padrões de sono e alimentação, bem como nas brincadeiras agressivas entre pares.

A OMS define violência contra crianças e adolescentes levando em conta a relação de responsabilidade, confiança e poder que o adulto estabelece com aquele que é vulnerável (por este estar em uma fase diferente de desenvolvimento – cognitivo, físico e psíquico). Como um adulto pode “brincar de lutinha” com uma criança, que é muito mais fraca fisicamente, não têm as mesmas habilidades para o enfrentamento, nem condições emocionais para enfrentar uma ameaça real que é muito maior do que ela?

As “lutinhas”, a depender do contexto e fases de desenvolvimento dos indivíduos, podem trazer diferentes conotações e consequências. Muitas vezes pode ser confundida com a prática de uma luta esportiva, que passa por supervisão de um adulto e resulta em grandes ganhos e aprendizados para a criança. Sabemos que quando feita de forma saudável, entre pares da mesma idade e dentro de um contexto seguro, traz a importância das regras, limites pessoais e respeito.

Porém, há uma grande diferença entre a prática esportiva de uma luta e as “lutinhas” feitas sem propósito, sem um ambiente seguro, onde vale tudo. Estas podem resultar em grandes danos para os envolvidos, principalmente para as crianças, que ainda estão em formação e aprendendo a regular suas emoções. Já quando falamos de “lutinhas” entre adultos e crianças, temos que tomar o cuidado para analisar se essa aparente “brincadeira” vem como um disfarce para uma possível violência.

Da mesma forma que a criança violentada deve ser acolhida, o adulto necessita desse mesmo olhar e cuidado. O primeiro passo é a pessoa reconhecer que necessita de ajuda – por trás de um adulto ferido, pode existir uma criança que foi ferida. A dor dessa pessoa pode ser tão grande que, inconscientemente, ela reproduz esse ciclo, descontando a raiva que ficou retida em seus próprios filhos.

Se esta pessoa olhar para dentro de si, permitindo que suas dores venham a tona para poder ressignificar essas vivências, ou até mesmo procurar ajuda e reconhecer que não está dando conta sozinho (seja de um profissional ou alguém em que confiam), obterá o acolhimento e suporte que necessita para romper esse ciclo. Esse é um processo árduo e doloroso. Estes registros ficam marcados no corpo, não como memória consciente, mas registros inconscientes carregados de sintomas emocionais e físicos.

Ao olhar para seus traumas e perceber o que seu próprio corpo sinaliza, permitindo esse autocuidado e o cuidado que provém do outro, o adulto pode identificar essas marcas, cuidar de suas feridas e se abrir a novos tipos de relação. É importante ouvir o que essa pessoa diz, não reagir de modo que aumente a angústia dela, não culpabilizá-la, permitir que seu corpo manifeste o que precisa, acreditar no que está falando, conversar sobre o ocorrido, aceitar e acolher as expressões das emoções, como raiva, tristeza, choro, etc.

Dessa forma, o adulto poderá se conscientizar que as feridas que o marcaram geraram inúmeras consequências e traumas que não foram fáceis de lidar, o que jamais seria saudável para seus próprios filhos.


Autora: Ingryd Abrão Diretora Operacional da ONG Núcleo Espiral, psicóloga clínica especialista em emergências e crises.



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