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Relatório ASDCA


ANÁLISE SITUACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Núcleo Espiral – Pesquisa Assistência e Prevenção da Violência contra Crianças e Adolescentes

Presidente Neusa Sauaia

Vice-Presidente Gabriel Nóbrega dos Santos

Diretoria Tatiana Portela Ingryd Abrão

ASDCA – Análise Situacional dos Direitos da Crianças e do Adolescente

Coordenação Carolina Guagliano

Facilitadores Crianças e Adolescentes Daniela Bueno Rodrigo Berezovsky

Facilitadores Adultos Lucas Agostinho Mariana Furtado Tabulação dos dados Talita da Silva Ferreira

KNH-Kindernothilfe Brasil

A Kindernothilfe-KNH é uma agência alemã de desenvolvimento que tem como objetivo melhorar as condições de vida de crianças e adolescentes.

O NÚCLEO ESPIRAL

O Núcleo Espiral é uma associação sem fins lucrativos que atua na pesquisa, assistência e prevenção da violência, especialmente contra crianças e adolescentes. Nossa missão encontra-se alinhada com as proposições explicitadas pela Convenção Universal dos Direitos da Criança na qual se busca tanto promover a recuperação física e psicológica e a reinserção social da criança vítima de qualquer forma de violência (negligência, exploração, abuso, maus tratos), quanto preparar a criança para viver uma vida individual na sociedade assegurando preventivamente seu desenvolvimento. Nosso trabalho engloba a implantação de ações diretas com as próprias crianças e com os responsáveis pelos cuidados dessas.

Acreditamos que reforçar o direito fundamental à sobrevivência ajuda no desenvolvimento de recursos em diferentes níveis – individual, relacional, comunitário e social. Assim, construindo resiliência nos diversos campos sugeridos pelo modelo ecológico adotado pela Organização Mundial de Saúde para análise da violência, constrói-se também uma sociedade mais promissora para nossos futuros cidadãos

PARCERIA KNH E NÚCLEO ESPIRAL

Tendo como objetivo comum a atuação junto a crianças e adolescentes, o Núcleo Espiral e a Organização KNH – Kindernothilfe mantém uma parceria desde 2015. Ao longo dos cinco anos de parceria, o projeto Recriar foi criado com o objetivo de promover a resiliência em crianças e adolescentes em contexto de vulnerabilidade.

Atualmente, a parceria é responsável por dois projetos em andamento: Intermediário e a Análise Situacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes (ASDCA). O segundo tem como finalidade compreender melhor aspectos objetivos e subjetivos da violência doméstica na região dos distritos de Vila Andrade e Campo Limpo, partindo da perspectiva das crianças, adolescentes e atores da rede.

1.INTRODUÇÃO

No Brasil, dados de 2018 do Disque 100 – ligado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos humanos – mostram que a violência contra crianças e adolescentes é, em 70% dos casos, cometida por algum familiar, sendo os pais responsáveis por 50%. De modo geral, 68% das crianças brasileiras com até 14 anos já sofreram violência corporal em casa, o equivalente a 30,3 milhões de crianças.

No ano de 2018, foram registrados no Estado de São Paulo 16.965 denúncias de violação de direitos humanos contra crianças e adolescentes. Isso significa que em média 46 crianças sofreram, por dia, violência psicológica, física, sexual ou negligência. As violações mais frequentes (76% dos casos) contra as crianças se materializam na negligência, ou seja, no abandono, na imprudência e falta de cuidado em relação à alimentação, higiene pessoal, amparo, responsabilização e na ausência de assistência médica. A violência psicológica, ficou em segundo lugar com 8.660 denúncias. As violências física e sexual estão em terceira e quarta colocação, respectivamente.

Já no ano de 2019, o Disque 100 registrou 159 mil registros, sendo 86,8 mil de violações de direitos de crianças ou adolescentes, um aumento de quase 14% em relação a 2018. Os tipos de violência maior incidência foram negligência, psicológica, física e sexual, respectivamente. Vale ressaltar que o relatório do Disque 100 leva em consideração exploração para trabalho especificamente e que esta categoria aparece na sexta posição, representando 3% dos casos denunciados.

No período de 2015 a 2019, o Núcleo Espiral trabalhou de maneira estruturada junto às comunidades dos distritos de Campo Limpo e da Vila Andrade e em parceria com as instituições locais no fortalecimento de diferentes detentores de direitos para o enfrentamento da violência doméstica que tem vitimado crianças e adolescentes. Foram realizadas ações de mapeamento e pesquisa no Centro Social Dona Diva, Projeto Vida Quadrangular, Centro para Crianças e Adolescentes (CCA) Jardim Umarizal, Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto (SMSE/MA) Vila Andrade e CCA São José. Ao todo, entre educadores, familiares, e outros adultos das comunidades, 461 pessoas participaram. A pesquisa observou que nesses cinco anos houve um aumento gradual de 19% no número de pessoas que passaram a perceber as crianças e os adolescentes como os principais alvos da violência.

A pesquisa permitiu constatar um aumento expressivo da sensibilização e do conhecimento das pessoas da comunidade acerca da temática sobre violência doméstica contra crianças e adolescentes. Ao longo desses anos foi possível melhor compreender a importância de oferecer uma escuta mais profunda para conhecer mais a fundo as causas da violência na região trabalhada, apoiando-se na visão da comunidade, viabilizando sua participação, favorecendo o protagonismo e o engajamento dos detentores de direitos e de deveres.

Tendo isto em vista, uma Análise Situacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (ASDCA) foi proposta com o objetivo de entender mais sobre a realidade do tema no território através de uma escuta ativa e participativa de crianças, adolescentes, familiares, educadores e profissionais da rede de apoio – Conselho Tutelar, UBSs (Unidade Básica de Saúde), os CREAs – Centro de Referência Especializado de Assistência Social.

Para tipificar as formas de violência, a pesquisa foi conduzida levando em consideração a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS,1999, p. 59):

  1. Abuso Físico: Dano físico real ou potencial infligido a uma criança, ou a renúncia de assumir a tarefa de defender a criança de danos físicos.

  2. Abuso Sexual: Contato de caráter sexual, real ou ameaçado com uma criança. Isto é, qualquer forma de atividade sexual, com ou sem contato físico como por exemplo exibição de material pornográfico, manipulações, entre outras.

  3. Violência Psicológica: Abrange a privação de um entorno apropriado para promover o desenvolvimento psicossocial da criança. Bem como os maus tratos verbais, a humilhação, o menosprezo e a rejeição com impacto negativo no desenvolvimento psíquico comportamental da criança.

  4. Exploração: Qualquer tipo de exploração da criança em benefício de terceiros. Como por exemplo trabalho infantil, exploração sexual e todas as demais atividades prejudiciais à saúde física e mental da criança, que a afastam da educação e perturbam seu desenvolvimento moral e psicossocial.

  5. Negligência: Privação dos cuidados básicos necessários para o desenvolvimento psicossocial da criança tais como saúde, alimentação, roupa, abrigo e educação.

Para fins de análise, segue abaixo mapa indicando a localização dos Centros para Crianças e Adolescentes e da Unidade Básica de Saúde que tiveram representantes envolvidos nessa pesquisa.

Assim sendo, quando perguntados sobre questões relacionadas à violência doméstica no território, os participantes estavam levando em consideração sua respectiva localização e o entorno.

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2. OBJETIVO

A ASDCA tem como objetivo compreender, através de um processo participativo, a origem da violência doméstica, como ela se faz presente, de acordo com a classificação descrita na metodologia (item 3), e seus efeitos na comunidade, desenhando as possibilidades de prevenção e enfrentamento em conjunto com crianças, adolescentes, famílias, educadores e atores da rede.

Neste sentido, a pesquisa teve a intenção de responder a seguinte pergunta: Qual a percepção sobre a violência doméstica que atinge crianças e adolescentes nos distritos do Campo Limpo e Vila Andrade, tanto do ponto de vista destas, quanto dos detentores de deveres que atuam nesse território?

Para ajudar nossa equipe na busca dessa resposta, as seguintes perguntas foram realizadas para os participantes nos encontros:

  1. Quais são os tipos de violência doméstica conhecidos?

  2. Quantos reconhecem a violência no Campo Limpo e na Vila Andrade?

  3. Quantos relataram casos de violência doméstica?

  4. Quais são as consequências da violência doméstica?

  5. Quais são as causas da violência doméstica?

  6. Quais são as ações que existem para minimizar a violência doméstica?

  7. Quais são as ações que poderiam ser feitas para minimizar a violência doméstica?

3. APLICAÇÃO DA PESQUISA

Devido ao novo Coronavírus, medidas de distanciamento social foram adotadas no município de São Paulo. Por ter sido adotado o isolamento, essa nova conjuntura impactou diretamente as vidas das famílias, levando a um aumento no número de casos de violência doméstica (FBSP, 2020). Tendo em vista esse cenário, o Núcleo Espiral decidiu dar continuidade à ASDCA, que originalmente seria realizada presencialmente, de maneira virtual, adequando suas atividades e o tamanhos dos grupos.

Em abril desse ano, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) lançou um documento que analisa os dados da violência doméstica no país durante a pandemia. O documento aponta uma queda no número de boletins de ocorrência, enquanto as agressões aumentaram. A suspeita do Ministério dos Direitos Humanos é que o distanciamento social inibiu e, muitas vezes, impossibilitou as vítimas denunciarem a violência sofrida.

3.1 PARTICIPAÇÃO

Na pesquisa anterior realizada de 2015 a 2019 a comunidade apontou as escolas, as UBSs (Unidade Básica de Saúde), os CREAs (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e o Conselho Tutelar como os atores do território que garantem seus direitos. Em decorrência da aprendizagem propiciada pela pesquisa anterior, estes atores que se inserem na rede de proteção das crianças e adolescentes foram procurados para fazer parte da pesquisa. Entretanto, por conta da pandemia da COVID-19, a participação na pesquisa teve um público menor que o planejado. Houve uma defasagem na participação de adolescentes e atores da rede.

A ASDCA foi desenhada para ouvir 67 participantes. Porém, a pesquisa realizada entre 14/05/2020 e 04/06/2020 teve a participação de apenas 21 pessoas, sendo:

  1. 7 crianças com a faixa etária de 8 a 11 anos

  2. 1 adolescente de 13 anos

  3. 7 familiares das crianças e da adolescente

  4. 5 Educadores dos Centros para Crianças e Adolescentes

  5. 1 Profissional da UBS do Campo Limpo

3.2 METODOLOGIA

As 21 participantes foram separados em duplas, trio (educadores CCA São José) ou individualmente para realizar os três encontros propostos pela ASDCA através das plataformas Whatsapp e Zoom. A divisão foi feita de acordo com o grupo em que se inseriam – familiares, educadores, crianças, adolescentes e atores da rede – levando em conta a disponibilidade de cada um. As atividades foram conduzidas por duas duplas de facilitadores compostas por um homem e uma mulher, sendo um deles psicólogo e o outro da área de pesquisa.

Os encontros buscaram abordar a questão da violência doméstica e incentivar a participação de todos. Para isso, independentemente do grupo, cada encontro tinha um tema unificado:

1º. Encontro: Identificar a violência doméstica

2º. Encontro: Identificar os deveres/direitos e seus detentores

3º. Encontro: Identificar ações para a garantia de direitos

As atividades propostas em cada uma das conversas foram adequadas ao público participante, levando-se em consideração a faixa etária das crianças e adolescentes e os papéis desempenhados pelos adultos.

Com as crianças e a adolescente, os facilitadores utilizaram desenhos e histórias para adequar a linguagem e tornar a atividade mais divertida para os participantes. Com os desenhos, as crianças e a adolescente conseguiram ilustrar o tipo de violência, as causas, consequências e como podem ser evitadas

Além disso, está previsto um novo encontro para as crianças, os adolescentes, as famílias, os educadores e os profissionais envolvidos na ASDCA para ser apresentado o resultado da pesquisa. Esse quarto encontro será realizado na segunda quinzena de julho e terá como objetivo dar um feedback do que foi coletado e também discutir estratégias de implementação, execução e monitoramento do projeto para transformação e interrupção do ciclo da violência doméstica.

Vale ressaltar que para os profissionais de UBS, CREAS e Conselho Tutelar estavam previstos dois encontros, porém, por conta da sobrecarga desses sistemas, a pesquisa contou apenas com a participação de uma representante da UBS em um encontro.

3.3 IMPRESSÕES DA REALIZAÇÃO VIRTUAL

O fato de os encontros terem ocorrido de forma remota e com uma quantidade menor de participantes do que o esperado teve suas vantagens e desvantagens. Por um lado, foi possível dar uma atenção maior a cada participante individualmente e houve mais espaço para que eles falassem mais sobre suas experiências próprias, no caso dos adultos. Por outro, os facilitadores que estavam com as crianças e a adolescente perceberam que as crianças participavam menos quando faziam sozinhas e sentiram dificuldade de realizar encontros com mais de cinquenta minutos de duração, porque depois desse tempo era difícil que elas mantivessem a concentração.

Além disso, a modalidade virtual impossibilitou a realização de grupos grandes, nos quais seria possível ter uma troca maior entre os participantes; de atividades mais dinâmicas; impediu acolhimentos mais efetivos a familiares que traziam questões mais pessoais; e levou uma atmosfera de menor privacidade, uma vez que em muitos momentos foi possível perceber que os participantes não estavam sozinhos nos cômodos da casa.

Entretanto, os facilitadores ficaram satisfeitos com o envolvimento de todos os participantes e acreditam que os debates levantados foram de grande importância. A abertura de todos surpreendeu a equipe, assim como o a troca de aprendizados, que foi feita entre pessoas que nunca se viram pessoalmente.

4. RESULTADOS DA PESQUISA

Todos os encontros foram registrados através de relatórios escritos pelos facilitadores presentes. Antes de se iniciar as atividades, foi solicitado que todos os participantes assinassem um termo online de consentimento para que aquilo que fosse dito pudesse ser usado em pesquisa. Crianças e adolescentes deveriam ter dois formulários preenchidos, um por um responsável e outro por eles mesmos.

Qualquer tipo de registro fotográfico ou de áudio que foi autorizado pelos participantes ficou apenas para documentação institucional do Núcleo Espiral. Todos os nomes foram omitidos a fim de se garantir o sigilo de todos os participantes.

Seguem abaixo os resultados da pesquisa realizada com as 7 crianças, 1 adolescente e 13 adultos. Os gráficos em amarelo representam as respostas dadas pelas crianças e pela adolescente, enquanto os em roxo traduzem a opinião dos adultos. À esquerda de cada barra está a resposta, à direita o número de pessoas que responderam isso e entre parênteses o quanto isso equivale de porcentagem no total de participantes. Na linha de baixo é possível ver quantas pessoas responderam a cada pergunta, sendo sempre 8 para crianças e adolescentes e 13 para adultos, com exceção das últimas duas perguntas. Cada participante poderia dar mais de uma resposta por pergunta, sendo assim, não é esperado que a soma das respostas dê 100%.

Ao final dos 14 gráficos foi montada uma nuvem de palavras que representa as os termos mais usados nas atividades nos diferentes grupos. Assim, foi possível medir também as preocupações e questões mais levantadas por crianças, adolescente e adultos.

Quais são os tipos de violência doméstica conhecidos pelas crianças e adolescentes?

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Quais são os tipos de violência doméstica conhecidos pelos adultos?

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Quantas crianças e adolescentes reconhecem a violência doméstica nos bairros de Campo Limpo e Vila Andrade?

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Quantos adultos reconhecem a violência doméstica nos bairros de Campo Limpo e Vila Andrade?

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Quantas crianças e adolescentes relataram casos de violência doméstica no território?

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Quantos adultos relataram casos de violência doméstica no território?

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Na opinião das crianças e da adolescente, quais as consequências da violência doméstica?

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Na opinião dos adultos, quais as consequências da violência doméstica?

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Na opinião das crianças e da adolescente, quais são as causas da violência doméstica?

(IMAGEM)

Na opinião dos adultos, quais as são causas da violência doméstica?

(IMAGEM)

Na opinião das crianças e da adolescente, quais as ações existem para minimizar a violência doméstica?

(IMAGEM)

Na opinião dos adultos, quais as ações existem para minimizar a violência doméstica?

(IMAGEM)

Na opinião das crianças e da adolescente, quais ações poderiam ser feitas para minimizar a violência doméstica?

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Na opinião dos adultos, quais ações poderiam ser feitas para minimizar a violência doméstica?

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Quais palavras mais apareceram nas atividades de crianças e da adolescente?

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Quais palavras mais apareceram nas atividades dos adultos?

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5. CONCLUSÃO

Tanto os facilitadores nos grupos de crianças e adolescentes, quanto os responsáveis pelas atividades com os adultos encontram certas dificuldades de abordar um assunto tão delicado como a violência doméstica de maneira virtual e em um contexto de pandemia. Além disso, a participação reduzida de 67 para 21 pessoas fez com que nossa amostragem fosse menor que o desejado, diminuindo assim a possibilidade de uma análise mais representativa. Entretanto, a coleta de dados trouxe informações relevantes para a análise da situação no território, possibilitando a compreensão a partir das questões inicialmente propostas na pesquisa. A equipe se surpreendeu com o envolvimento de todos os participantes ao longo desses três encontros apesar das complicações do contexto atual.

As crianças e a adolescente, através dos desenhos e das histórias, conseguiram ilustrar o tipo de violência, as causas e consequências. Para elas, a violência contra crianças e adolescentes é gerada por conta da raiva, ciúmes e falta de controle emocional dos adultos. Além disso, as mesmas acreditam que os cuidados e a proteção sobre crianças e adolescentes giram em torno da garantia de atenção, carinho, comida (necessidades básicas) e conscientização por parte dos adultos para não repetirem as violências domésticas.

Entretanto, no que diz respeito ao combate à violência, as crianças e a adolescente apresentaram mais dificuldade prática de tecer ideias. Apesar de terem dado muitas respostas relevantes, as quais geralmente estavam relacionadas à vigilância, foi mais desafiador para eles pensar na responsabilidade por parte de um ente coletivo, como o Estado, pois trata-se de uma ideia ainda distante para eles. De maneira geral a rede de apoio se restringia a familiares e amigos. Apareceram falas que trouxeram agentes da escola, policiais ou especialistas, mas sempre distante, pontual e com dificuldade de tomar como próprio aquele discurso. Notou-se isso com o uso recorrente da frase “me disseram que” ou expressões que mostram incerteza.

Por outro lado, a equipe se surpreendeu com a proximidade de quase todos com o ECA e/ou os direitos das crianças de maneira geral. Todos trouxeram algum aspecto interessante que já conheciam a respeito, conseguindo relacionar as ideias em conformidade com o que os facilitadores apresentavam. Acredita-se que grande parte desse conhecimento se dê através dos CCAs, pois as crianças em diferentes momentos afirmaram já terem visto algo sobre o tema nestes locais.

Em relação aos adultos, dois pontos essenciais para se debater: a naturalização da violência e seu ciclo. Segundo os educadores, existe uma grande questão territorial da violência, da atuação da polícia, o medo da bala perdida, da violência do estigma de favelado na projeção de sonhos de futuro. Assim, a violência acaba ficando muito naturalizada na comunidade, as pessoas são violentas e não sabem, e isso contribui para alimentar o ciclo todo.

Todos os adultos enfatizaram muito o caráter cíclico da violência: a vítima, se não for bem orientada, irá repetir a violência no futuro. Todos os familiares concordaram que a repetição de ações de exploração, negligência, violência física e psicológica são causa e consequência delas mesmas. Assim, foram apresentadas duas ideais: a primeira é que o agressor foi potencialmente vítima no passado; a segunda é que se acredita na possibilidade de interromper o ciclo através do acompanhamento profissional de acolhimento, apoio e orientação

Para os educadores, a reprodução da violência ocorre não só por causa da vulnerabilidade socioeconômica, mas também por vínculos familiares falhos, alcoolismo e distúrbio mental, causas também apontadas pelos familiares, sendo a última bastante relacionada à violência sexual. Vale ressaltar que violência sexual, por sua vez, não foi trazida espontaneamente por nenhum familiar e poucos relataram ter conhecimento de casos no território, embora acreditam que aconteça, reforçando o tabu que ronda o tema.

Nesse sentido, os adultos de forma geral parecem apostar bastante no potencial do diálogo enquanto ferramenta de prevenção, tanto entre os familiares, como entre os educadores e os estudantes, mas também entre os órgãos do governo.

Em suma, independentemente da faixa etária, a violência é percebida por todos os participantes mesmo que de diferentes maneiras. A naturalização da violência esteve mais presente no discurso dos adultos, enquanto o ciclo da violência apareceu também nas falas das crianças e da adolescente. Por um lado, os adultos demonstraram preocupação com a assistência dada às vítimas de violências, por outro as crianças e a adolescente focaram nas medidas direcionadas à inibição da realização de crimes, tendo como exemplo, vigilância e educação para agressores. Por fim, ambos os grupos indicaram o diálogo e a educação como fatores importantes para se combater a violência doméstica.

Referências

EAgência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitoshumanos/noticia/2020-05/denuncias-de-violacoes-contra-criancas-eadolescentes-aumentam-14. Acessado em 13 junho 2020.

Núcelo Espiral – Pesquisa, Assistência e Prevenção da Violência Contra Crianças e Adolescentes. Disponível em: http://www.nucleoespiral.org.br/. Acessado em 05 julho 2020.

Kinalski, D. D. F., de Paula, C. C., de Mello Padoin, S. M., Neves, E. T., Kleinubing,R. E., & Cortes, L. F. (2017). Grupo focal na pesquisa qualitativa: relato de experiência. Revista brasileira de Enfermagem, 70(2), 443-448.

Kindernothilfe Disponível em: https://www.kindernothilfe.org/. Acessado em 05 julho 2020.

Marques, E. S., Moraes, C. L. D., Hasselmann, M. H., Deslandes, S. F., & Reichenheim, M. E. (2020). A violência contra mulheres, crianças e adolescentes em tempos de pandemia pela COVID-19: panorama, motivações e formas de enfrentamento. Cadernos de Saúde Pública, 36, e00074420.

Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/ptbr/assuntos/noticias/2019/maio/criancas-eadolescentes-sao-vitimas-em-mais-de-76-mil-denuncias-recebidas-pelodisque-100. Acessado: em 13 junho 2020. educação como fatores importantes para se combater a violência doméstica.

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