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O futuro da juventude e as eleições presidenciais de 2018

Artigo escrito por Natalia Horrocks e Thiago Schindler, facilitadora e coordenador do programa Proev do Núcleo Espiral, respectivamente.

A crescente violência nos últimos anos trouxe a sensação de insegurança e medo para a população brasileira, de tal forma que a segurança pública tornou-se uma das principais pautas das eleições presidenciais de 2018. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2017 o número de homicídios no Brasil alcançou o recorde histórico de 63,9 mil casos[1], dentre os quais a imensa maioria das vidas ceifadas são de jovens, negros, pobres e moradores da periferia. O Atlas da Violência 2018 apontou que no Brasil “33.590 jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino […] Entre 1980 e 2016, cerca de 910 mil pessoas foram mortas com o uso de armas de fogo[2]. Nesse sentido, é importante ressaltar que o crescimento dos homicídios está diretamente relacionado com o aumento da compra e uso de armas de fogo.

Quando o tema é posse de armas, 58% dos brasileiros são favoráveis à sua proibição[3]. O Estatuto do Desarmamento, sancionado em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, regulamenta a compra e posse de armas além de restringir o número de novas armas nas mãos de cidadãos comuns. Com o recrudescimento do debate público acerca das alternativas para a segurança pública, o Estatuto passou a ser questionado por parte da população e de candidatos que propõe a sua revogação como solução para o problema de segurança.

É preciso entender, no entanto, que a violência no Brasil é histórica e tem forte componente estrutural e cultural. Suas raízes remontam ao sistema escravista, produtor de desigualdades e discriminação cujos efeitos perduram até hoje sob as muitas forma de exclusão; além do período da ditadura civil-militar de 1964 a 1985, responsável pela institucionalização da violência de Estado contra a própria população.

Se observarmos o contexto atual, é possível perceber alguns de seus desdobramentos: em 2016 a taxa de homicídios de negros foi 2,5 vezes maior em relação aos não negros (brancos, amarelos e indígenas). Além disso, os jovens negros são as principais vítimas de ações letais policiais, representando 76% do total[4]. Lamentavelmente, o racismo está presente em muitas das práticas repressivas de Estado, perpetuando assim a condição de miséria e exclusão dessa parcela da população.

Após o fim do período da ditadura civil-militar e com a promulgação da chamada Constituição Cidadã de 1988, vieram grandes avanços no que tange à responsabilidade do Estado em assumir seu dever de garantidor dos Direitos Fundamentais, entre os quais aqueles relativos às crianças e adolescentes através do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Originado no processo de redemocratização do país, o ECA surgiu com a articulação dos movimentos sociais através da participação popular na gestão de políticas públicas. A Constituição Federal de 1988 preconiza a criança e o adolescente, estabelecendo no artigo 227 que: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade o direito à vida […], além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão[5]. Dessa forma, o Brasil se comprometeu internacionalmente com a Convenção sobre os Direitos das Crianças, estabelecendo na constituição os direitos de participação, provisão e proteção específica das pessoas menores de 18 anos de idade. Nesse sentido, faz-se necessário reconhecer o ECA como um marco jurídico-institucional de extrema importância na consecução de políticas públicas que visam assegurar a vida e a dignidade de crianças e adolescentes.

Em 2015, entretanto, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 33/2012, que visa reduzir a idade mínima para que uma pessoa seja presa por crime hediondo, passando de 18 para 16 anos de idade. Ora, sabemos que o sistema prisional brasileiro não prioriza de maneira alguma a reinserção social dos jovens que cometeram algum delito, de modo que a redução da maioridade penal não é solução para a criminalidade entre os jovens. Ao contrário, dificulta ainda mais a possibilidade de que o jovem infrator possa se reintegrar à sociedade.

De acordo com pesquisa realizada em janeiro, 83% da população é favorável a essa PEC[6], pois acreditam que os adolescentes não são responsabilizados pelos seus delitos. Na prática, isso não se mostra verdadeiro, uma vez que todas as pessoas a partir de 12 anos são responsabilizadas pelos seus atos, tendo na medida socioeducativa uma possibilidade de reflexão e reinserção social. “O jovem entre 12 e 17 anos que sai do sistema socioeducativo, para onde ele é encaminhado hoje, volta a cometer crimes em apenas 16% das vezes. Entre 2010 e 2012, houve um aumento de 33% na aplicação de medidas socioeducativas, alcançando quase 90 mil adolescentes[7]. Acreditar que a redução da maioridade penal é a solução para a criminalidade constitui grave ameaça aos direitos das crianças e adolescentes, ignorando que as raízes do problema estão na falta de investimentos na área da educação e de toda a rede socioassistencial.

Atualmente o Senado adiou a votação da Proposta, e dependerá do legislativo assim como do próximo Presidente da República barrar essa PEC. Independentemente de qual seja o próximo presidente eleito, a missão e o dever de zelar para que direitos fundamentais sejam garantidos vis à vis de toda a população e, sobretudo no que diz respeito às crianças e adolescentes, por serem mais vulneráveis, não pode ser ignorado. A constituição de 1988 foi um grande passo rumo à garantia desses direitos e deu condições para que o ECA pudesse surgir. No entanto, a experiência e os dados mostram que ainda existe uma longa distância a percorrer entre o que preconiza o ECA e o que de fato ocorre na prática. Distância essa que só poderá ser superada a partir da efetivação de direitos, e não através  da sua redução.

Atravessamos uma difícil conjuntura política e econômica nacional na qual ideias e proposições irrompem com violência no debate público. É preciso estar atento e perceber em que medida tais propostas representam avanço ou retrocesso no longo caminho rumo à consolidação da Democracia no Brasil. Sem a garantia de direitos fundamentais universalmente estabelecidos, não é possível avançar rumo à possibilidade de uma sociedade mais justa e consciente de sua responsabilidade perante às crianças, jovens e adultos.

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[1] Dados do Fórum de Segurança Pública. Disponível em: https://bit.ly/2vvV5gQ

[2] Dados do Atlas da Violência 2018. Disponível em: https://bit.ly/2M1A7NG

[3] Dados disponíveis em: goo.gl/eko6sA

[4] Dados disponíveis no Atlas da Violência 2018.

[5] Constituição Federal de 1988.

[6] Dados disponíveis em: https://abr.ai/2QpH5x5

[7] Dados disponíveis em: https://bit.ly/2O1WZkA

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