As redes sociais e os meios tecnológicos que garantem o acesso a elas, são recursos cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas em nossa cultura. A situação atual, de quarentena devido à COVID-19, faz com que a presença das redes sociais em nossas vidas, e da internet e suas ferramentas, seja ainda mais intensa e necessária, tornando-se a maneira mais adequada e fácil de nos mantermos em contato com outras pessoas, seja socializando ou trabalhando.
E as crianças?
Não ficam de fora desses espaços. Inclusive, o uso de meios eletrônicos não é nenhuma novidade para elas, sendo, atualmente, determinante em fatores como a socialização, exposição e criação da cultura, influenciando diretamente em sua subjetivação e desenvolvimento.
Importante ressaltar como esse tipo de tecnologia, de certa forma, pode ser um fator de estímulo à autonomia das crianças em seu desenvolvimento. Muitos dos aplicativos, conteúdos em plataformas como o YouTube, mundos gerados dentro de jogos interativos, como o famoso Minecraft, são feitos por crianças e para crianças, criando espaços de relacionamento e interação muito diferentes das gerações passadas. Essas novas formas de ser, interagir e construir durante a infância, contrariam certas perspectivas sociológicas tradicionais sobre esse período de vida, nas quais a criança é vista como um ser que apenas recebe o conhecimento dos adultos e não participa ativamente de sua própria criação e desenvolvimento.
As crianças contemporâneas são muito mais ativas e opinativas em relação a seu próprio desenvolvimento, tendo acesso a crianças de outras culturas e localidades, conhecendo o mundo a partir da palma de suas mãos. Há pouco tempo atrás, as únicas referências de uma criança eram as pessoas mais próximas, como seus pais e avós, se estendendo à algumas figuras dentro da escola e próximas da família. Com a internet, as referências das crianças vão além dos lugares que elas frequentam, um Youtuber, por exemplo, pode ser uma dessas figuras. A internet adiciona um novo repertório instrumental para as crianças lidarem com a infância. Atualmente, tanto o comportamento, quanto as sensações das crianças, são coloridas por diversas informações e personagens, sendo influenciadas por pessoas, muitas vezes, inclusive, escapando do radar dos pais, mesmo aqueles mais atentos a criação de seus filhos.
Esta nova forma cultural da infância em nossos tempos, evidência o movimento dialético de aprendizado entre adultos e crianças, que mutuamente se transformam e ensinam um ao outro, ou seja, as crianças também ensinam muitas coisas aos adultos, pois apresentam a eles suas referências e conhecimentos adquiridos pelo uso da internet. A infância não se reduz a um período biológico do desenvolvimento, ela também é construída histórica e socialmente. Em contraste com a infância de gerações anteriores, os aparelhos eletrônicos como tablets, celulares e notebooks, são espaços de brincar ao mesmo tempo em que são brinquedos e até mesmo considerados um “amigo”, muito diferente de brincadeiras de rua ou de atividades manuais. Ambos modos de brincar promovem a interação entre crianças, apesar de se apresentarem de maneiras diferentes. Também é importante ressaltar que os modos analógicos de brincar não desapareceram, apenas foram integrados a era digital.
Porém, as redes sociais e a internet de forma geral, também oferecem certos riscos para as crianças. Geralmente elas são vítimas fáceis de golpes ou abusos de diversos tipos, iniciados a partir do contato online. Aqui entra a importância dos pais como mediadores do acesso a internet por seus filhos, tendo em vista que, a partir da observação dos pais usando esses dispositivos, surge o interesse e os primeiros aprendizados da criança sobre o uso dos aparelhos. A proximidade dos pais, ensinando e explicando quais e porquê certos tipos de conteúdos são mais ou menos adequados, torna-se primordial para uma relação de maior qualidade entre crianças e tecnologias. A infância é o momento de ensaios, no qual as crianças iniciam as reproduções sociais buscando compreender o funcionamento do mundo. Para essa mediação funcionar, é importante definir regras de uso e considerar as particularidades daquela criança, construindo junto com ela (levando em conta sua visão de mundo) uma maneira de fazer um uso seguro e construtivo das redes.
Os ensaios da infância não se limitam aos ensaios sociais, mas também corporais. Este é outro ponto de atenção em relação a criação das crianças, em que o uso excessivo das tecnologias e da internet pode ser prejudicial. É durante a infância que as crianças desenvolvem sua motricidade e conhecem quais os limites e possibilidades de seus corpos. Quando as atividades diárias da criança são centradas no uso de meios eletrônicos, certos tipos de movimentos refinados e noções corporais podem ser bastante prejudicados. Esse excesso também é complicado quando os pais usam os eletrônicos como maneiras de acalmar seus filhos em toda e qualquer situação, sem nenhum controle. As crianças estão sempre experimentando e testando a si mesmas e as pessoas a seu redor, de forma a darem trabalho para os pais ou tutores, podendo causar uma situação inconveniente para alguns desses cuidadores. Uma solução quase mágica para distrair as crianças quando fazem birra, é entregar à elas um dispositivo eletrônico. Esse tipo de consolo e babá é questionável, pois o teriam como mediador de momentos de descobertas que envolveriam sentimentos como tristeza, raiva, angústia, fazendo com que elas se afastem de seus sentimentos, usando a tecnologia como muleta emocional. Em longo prazo é bastante preocupante os efeitos potencialmente nocivos, principalmente pensando nas relações interpessoais.
Com isso, fica clara toda a potencialidade das redes no desenvolvimento das crianças. Como toda ferramenta humana, as redes sociais e a internet podem ser utilizadas com diversos propósitos, sendo eles construtivos ou destrutivos. O ponto chave é aceitar as diferenças entre gerações e entender que as crianças hoje são mais ativas em suas próprias escolhas, porém, sem deixar de lado o olhar de cuidado e atenção para o desenvolvimento delas. Também é importante que os pais delimitem e organizem o uso dos meios eletrônicos no cotidiano das crianças, procurando o balanço entre atividades corporais e atividades nos eletrônicos. Sendo assim, é praticamente impossível prever os resultados dessas relações entre internet e infância, mas, se houver uma clareza sobre as infinitas possibilidades que podem ser obtidas dessa relação por parte dos pais, é muito provável que os resultados sejam grandes conquistas nas relações das gerações futuras.
Referências
COUTO, E. S. A infância e o brincar na cultura digital. 2013.
FERRAZ, A. R. R. S. A Utilização da Internet Feita Por Crianças Com Idade Entre 5 e 10 Anos. 2019.