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Falando sobre sexualidade: as surpresas no trabalho com crianças e adolescentes

Texto escrito por Jéssica Blanco, facilitadora do programa Proev do Núcleo Espiral

Dentre os milhares de assuntos importantes que muitos profissionais e até mesmo familiares acabam fugindo da verbalização, conversar com as crianças e adolescentes sobre sexualidade é o que mais assusta. Uma vez que muitos cuidadores e familiares não se sentem à vontade para abordar esse tema, o mistério sobre esse assunto apenas cresce entre os jovens, causando-lhes grandes constrangimentos e até mesmo problemas não só no futuro, mas mesmo no presente de suas juventudes.

Segundo o Fundo de População das Nações Unidas (2012), UNFPA, a educação sobre sexualidade na maioria dos países tende a ser limitada e raramente atinge o padrão descrito em acordos internacionais. Os currículos precisam ser iniciados ou modificados com urgência para incluir todos os tópicos necessários e assim apoiar a construção de habilidades que se traduzam em relacionamentos e comunidades (e sociedades) sustentáveis.

A sustentabilidade neste contexto depende da igualdade de gênero, do consentimento mútuo, da não violência e do respeito aos direitos humanos. Assim, a formação dos cuidadores deve ser aprimorada para que os mesmos estejam à vontade com os tópicos envolvidos, dando apoio sem fazer julgamentos, tanto no que diz respeito às dúvidas das crianças quanto dos adolescentes. Desta forma, tornam-se capazes de fornecer informações corretas e completas – e também estarem preparados para encaminhar os jovens, quando necessário, a serviços apropriados de saúde.

Um dos trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo Espiral é o Comitê de Enfrentamento à Violência, organizado pelo Proev – Programa de Estudos da Violência. Apesar de o foco das suas intervenções ser a discussão e reflexão acerca dos Direitos Humanos, com o objetivo de que os participantes sejam multiplicadores daquilo que está sendo discutido dentro do grupo em suas comunidades, nem sempre a pauta prevista se consolida como eixo principal das atividades, tendo em vista a maleabilidade e gama de interesses inerente aos jovens – e que, na medida do possível, tendem a ser respeitadas e adequadas ao escopo do trabalho proposto.

Em uma dessas situações, foi observada uma inquietude nos participantes do grupo quanto ao assunto sexualidade. Assim sendo, percebendo a ansiedade e curiosidade dos integrantes do Comitê sobre este tema, foi decidido abordá-lo em grupo, na tentativa de desmistificar e trazer informações sobre esse assunto. Dessa forma, um encontro que visava abordar autonomia e o reconhecimento de limites, passou a ter o caráter de uma roda de conversa informativa, onde foi aberta a possibilidade para as crianças e adolescentes tirarem suas dúvidas sobre a temática.

A primeira reação dos jovens ao ouvir uma das facilitadoras dizer a palavra sexo foi de grande euforia e surpresa – uns se jogaram no chão, enquanto outros saíram correndo pela sala ao som de muitos gritos.

Após esse primeiro momento, foi solicitado a eles para que sentassem e começassem a tirar suas dúvidas, deixando claro que as perguntas seriam respondidas e que eles não precisavam se sentir envergonhados.

Assim, diversos questionamentos foram feitos, como por exemplo: aonde o pênis é colocado, o que é tesão, sexo oral engravida, quem sente mais vontade de fazer sexo, se homens ou mulheres, o que é gozar, apenas os homens podem gozar, como se perde a virgindade e se o sexo é gostoso ou dolorido. Enfim, perguntas sobre um amplo espectro relacionado ao tema e que eles claramente tiveram acesso ao longo do tempo – mas tinham vergonha de entrar em contato e tirar suas dúvidas.

Uma das fontes de acesso a esses temas, por exemplo, são os funks, cujas letras abordam com frequência e de maneira explícita assuntos sexuais, incluindo passos de dança imitando relações e insinuações sexuais. Com isso, embora a maioria dos jovens tenham mostrado conhecer aspectos biológicos da sexualidade, chamou a atenção a ingenuidade em relação aos outros temas perguntados.

Dessa forma, o trabalho foi conduzido de forma a conscientizar esses jovens sobre a importância do respeito ao seu corpo e aos seus desejos e vontades, destacando, também, alguns aspectos importantes das relações de gênero e de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de gravidez precoce.

Um dos aspectos da falta de informação dos jovens em relação ao exercício da sexualidade pode estar atrelado ao discurso social que considera a conduta sexual na adolescência um comportamento de risco – ou mesmo proibido.

Se por um lado esse tabu se constrói por elevados índices de gestação na adolescência em comunidades vulneráveis socialmente, por outro lado esse dado pode, também, ser um resultado direto da falta de informação que esse grupo enfrenta. Embora a educação sexual devesse ser parte do currículo de escolas, é possível inferir que a grande maioria dos programas de educação sexual que visam “cuidar” da sexualidade dos adolescentes são extremamente problemáticos e sem eficácia em termos de prevenção de doenças, da gravidez e até mesmo da violência sexual.

Diante dessa perspectiva, o programa Aprove e o Núcleo Espiral acreditam na possibilidade dos jovens serem informados sobre as consequências da vida sexual, sem terem a sua sexualidade “aniquilada” ou o direito a uma vida sexual plena furtado (FRIZZO; KAHL; OLIVEIRA, 2005; ORLANDI; TONELLI, 2005, 2008). Assim, o trabalho do Comitê de Enfrentamento da Violência retoma seu foco, resgatando o direito do adolescente de obter seu pleno desenvolvimento emocional a partir da elaboração de sua liberdade sexual.

Referencial Teórico

FRIZZO, G. B., KAHL, M. L. F.; OLIVEIRA, E. A. F. de. Aspectos psicológicos da gravidez na adolescência. Psico, v. 36, n. 1, p. 13-20, 2005

UNFPA, Fundo de População das Nações Unidas. Realizando plenamente o potencial de adolescentes e jovens. 2012. Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/estrategia_unfpa_adolescentes_jovens.pdf. Acesso em: 01 de maio de 2018.

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