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Enredo Sensacional: uma proposta lúdica para se trabalhar o preconceito

Escrito por Andreia Carelli Latorre Magalhães, coordenadora do programa Aprove

Anos atrás, no início das atividades do Núcleo Espiral, uma de suas principais atuações era focada em instituições socioeducativas de contraturno escolar. Mais tarde, o trabalho foi ampliado também para dentro das escolas, porém nesse momento ainda voltado à instrumentalização de professores. Em 2016, finalmente, foi proposta a formatação de uma atuação escolar contínua e integrada, abarcando não só professores, mas também alunos, seguindo mais fielmente o modelo dos outros programas em atuação no Núcleo Espiral.

Foi, então, restabelecido o programa Aprove, eixo de atuação em escolas, que teve seu início no ano de 2017 na Escola Estadual Francisco Brasiliense Fusco, na região do Campo Limpo, em São Paulo. Estando nesta região, o programa entrou automaticamente para o projeto Recriar, que abarca uma série de outras instituições na mesma região do município paulistano, com atuação de todos os programas do Núcleo Espiral, visando um escopo amplo e integrado de prevenção da violência na rede socioassistencial local.

Iniciando nesta escola, o Aprove pautou sua atuação com um grupo de professores do Ensino Fundamental II e, em outro horário, com alunos do 6° ano. Com grupos formados, o programa identificou o desafio de integrar o Método Espiral, o lúdico e a linguagem escolar, de forma a motivar profissionais e alunos a envolver-se de forma participativa em oficinas que abordassem assuntos que comumente não são falados.

Por conta deste desafio, o APROVE elaborou o jogo Enredo Sensacional, inspirado em duas referências anteriores: “Eu Conto”, da Associação Viva e Deixe Viver, e “Elenco Sensacional” (ANTUNES,1992). O jogo consiste em 60 cartas, divididas em quatro categorias: PERSONAGEM, LUGAR, AÇÃO e  OBJETO. As crianças devem sortear uma carta de cada categoria, e criar uma história utilizando todos os elementos. Ao final, o grupo conversa a respeito de quem, do próprio grupo, poderia ser aquele personagem vivendo aquela história, levando em conta as características da pessoa, e também da própria situação criada. A intenção, é que este jogo seja um gatilho lúdico para abordar a questão do preconceito e de como algumas de nossas características podem ser vistas de forma diferentes pelos outros.

Além do experimento com os alunos, o jogo foi também testado com famílias (em outra instituição), sendo em ambos os casos muito bem recebido. Devido à sua natureza lúdica e descontraída, há grande envolvimento dos participantes e a resposta é bastante imediata e interativa. Justamente esse clima despretensioso que nos permite abordar, sem imposição ou constrangimento, temas controversos como preconceito e intolerância. Assim, a descontração torna-se uma excelente ferramenta contra bloqueios e resistências, permitindo ao Aprove levar à escola uma forma despretensiosa de tratar a educação.

Para transformar a descontração em algo relevante é importante que, ao final de cada atividade, seja feita uma conversa profunda sobre os temas abordados. É justamente esta postura que diferencia a proposta de uma brincadeira qualquer.

Neste caso, a atividade abordou temas como: violência, tráfico e desigualdade social – trazido pelas próprias crianças através das histórias criadas. Assim, os alunos puderam expor quais eram os pontos positivos ou negativos em cada um destes assuntos.

Possivelmente por conta da faixa etária, os alunos estavam bastante atentos aos traços da aparência física de cada um, e encontraram formas de relacioná-los às ideias aprendidas sobre determinados papéis na sociedade. Neste sentido, a discussão final, com as facilitadoras, teve como objetivo apoiar e/ou quebrar alguns desses paradigmas.

É importante ressaltar que a presença do preconceito entre os jovens se apresenta menos consolidado quando em comparação a um grupo de adultos. De forma geral, demonstram maior facilidade de assimilação na compreensão da realidade externa, e abertura para reflexão e desconstrução de olhares intolerantes.

Apresentaram, por exemplo, um olhar positivo do papel do traficante1. Para um observador externo, tal percepção pode ser controversa, uma vez que há um tabu social relacionado a este papel. No entanto, no universo da comunidade, o traficante atua como referência de segurança e cuidado, sendo portanto um modelo. Através de atividades como esta, é possível expor “os outros lados”, ou seja, demonstrar que nenhuma pessoa ou característica é em si mesma só positiva ou só negativa.

Assim, pode-se perceber o quanto o lúdico-vivencial cria espaço para a abordagem de assuntos considerados difíceis abrindo caminho para a transformação de paradigmas. Reduz resistências, permite reflexão e posterior aprofundamento do que foi abordado sendo assim uma ferramenta importante na integração das linguagens formal e informal. Neste sentido, atividades como essa podem motivar a participação dos alunos nas aulas e no próprio universo escolar.

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*1 Por conta da faixa etária e proposta da atividade, os temas levantados não foram aprofundados em termos de juízo de valores e/ou motivações socioeconômicas.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Celso “Manual de Técnicas de dinâmica de grupo, de sensibilização e de ludopedagogia” Petropolis: Vozes, 1992.

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