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A prevenção da violência no ambiente escolar: desafios e possibilidades

Texto escrito por Alline Figueiredo e Thalita Sturari, facilitadoras do programa Aprove

O Aprove é um programa do Núcleo Espiral que tem como objetivo capacitar professores e profissionais da educação em escolas públicas e privadas e ampliar o olhar para a relação de cuidado, promovendo aos profissionais a compreensão de seu papel enquanto tutores de resiliência. Também promove oficinas socioeducativas com os alunos com enfoque no desenvolvimento de habilidades sociais e de resiliência, importantes ferramentas na prevenção da violência. Tendo passado alguns anos inativo, o programa foi reformulado no ano de 2017 e teve atuação em uma escola estadual na região do Campo Limpo, na cidade de São Paulo.

Segundo a OMS (1999) a violência pode ser definida como abuso ou maus tratos físico e/ou emocional, abuso sexual, negligência, exploração comercial ou outro tipo de exploração, resultando em danos reais ou potenciais para a saúde, sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade da criança no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder.  Além disso, dentro de uma  instituição como a escola, a violência possui características próprias que devem ser levadas em consideração para que possamos compreender seu funcionamento.

A violência nas escolas diz respeito tanto às ações violentas que ocorrem dentro deste espaço, ou às ações feitas contra a instituição (danos ao patrimônio, ataque aos professores etc.), ou àquelas feitas pela instituição contra os estudantes (medidas de advertência, expulsões, etc.), como explicitado por Charlot (2002). Assim, a violência na escola não pode ser considerada somente mera reprodução da violência na sociedade, já que algumas modalidades de violência são específicas do ambiente escolar. É certo que, para que a escola atinja os fins a que se propõe (de educar crianças e adolescentes) é necessário que se mantenha uma relação de autoridade entre professores e alunos, permeada pelo estabelecimento de limites, regras e ações que protejam ambas as partes.

Deve-se levar em consideração, também, que salas de aulas com um grande número de alunos e apenas um professor fazem parte das características das escolas brasileiras. Embora o MEC recomende que uma sala de aula possua o número máximo de 30 alunos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece que a distribuição de alunos por sala fica a critério da própria escola, gerando assim um cenário desequilibrado que é também resultante do ainda ineficiente investimento  público no setor.

Neste contexto, faz-se necessária uma forma de homogeneização destes alunos para que se possa transmitir o conhecimento, já que a individualização do ensino torna-se impraticável. No entanto, conforme explicitado por Arroio (2007), essa homogeneização torna-se problemática a partir do momento em que os alunos que se afastam dos parâmetros idealizados são estigmatizados e rotulados como “violentos”, “perigosos” e “delinquentes” – características  atribuídas às suas personalidades e, portanto, consideradas imutáveis por grande parte dos professores.

Diante dos considerados “alunos-problema”, os professores e outras autoridades da escola costumam se afastar, abstendo-se de fazer algo a respeito. Ou, ainda, adotam uma postura autoritária baseada em regras que nem sempre fazem sentido para os alunos e punições que muitas vezes extrapolam os muros da escola,  como por exemplo expulsões ou intervenções policiais.

Diversos estudos realizados em psicologia demonstram que as expectativas dos professores sobre os alunos podem ajudar ou prejudicar seu desempenho acadêmico. Este fenômeno é conhecido como profecia autorrealizadora, e explica que a expectativa de uma pessoa sobre o comportamento de outra pode contribuir para que a última se comporte de acordo com o que se espera dela (Rosenthal, 1966).  Assim, o olhar estigmatizado sobre os alunos considerados violentos traz consequências bastante negativas, tanto para o aluno quanto para a escola de maneira geral, e acabam contribuindo para que estes alunos se comportem de maneira violenta.

Como consequência do comportamento violento, muitas vezes esses alunos são segregados das práticas escolares e, assim, são impedidos de se apropriarem deste ambiente e de todas as ferramentas que a educação pode fornecer para que consigam ter um pensamento crítico sobre sua realidade e tenham a possibilidade de, enfim, transformá-la. Ao serem excluídos do direito ao convívio escolar, esses alunos estão sofrendo um tipo de violência por parte de um ambiente que deveria acolhê-los, o que vai de encontro ao fazer pedagógico, que acaba por perder seu sentido histórico, social e cultural (Machado, 1998).

É exatamente esta perda de sentido da função da escola que tem sido frequentemente relatada pelos professores da instituição em que o Aprove trabalhou neste ano. O que fazer, então, para melhorar a relação dos professores e alunos com os denominados “alunos-problema”? Como devolver o sentido da escola para os alunos e para os professores? Baseado nessas perguntas e seguindo a metodologia desenvolvida pelo Núcleo Espiral, nossas práticas se voltaram para o resgate de recursos internos de cada um.

A escola, antes de ser um espaço de aprendizado, é um espaço de socialização, de encontro com diferenças e com o diferente, que tem extrema importância no processo de formação do eu (Kohastu & Dias, 2009), e quando essas diferenças não são compreendidas e respeitadas, o contato com o diferente se torna ameaçador. Em nossa experiência, identificamos que práticas que estimulam o reconhecimento das emoções (em si e no outro) podem auxiliar nessa compreensão das diferenças.

No decorrer do trabalho do programa Aprove, foi identificada a falta de apoio entre os professores, bem como uma falta de apoio da instituição aos profissionais, o que reflete nas relações destes profissionais com os alunos, os quais muitas vezes relataram sentirem-se incompreendidos e/ou desamparados. Dessa forma, as atividades foram pensadas para atender a essa demanda, tendo como foco o reconhecimento das emoções e suas diversas maneiras de expressão, com o objetivo final de construção de um grupo acolhedor e que proteja a todos os participantes.

Diante de limitações estruturais da instituição da escola, especialmente das escolas públicas no Brasil (infraestrutura precária, falta de materiais adequados, má remuneração dos profissionais, etc.), e da dificuldade de mudar esta realidade, torna-se ainda mais importante a construção de relações boas e saudáveis entre todos os membros da comunidade escolar (professores, alunos, direção e demais profissionais). Portanto, durante os encontros também foram levantadas reflexões acerca da importância de estabelecer relacionamentos construtivos e não-opressivos, bem como de resolver conflitos de forma não-violenta.

Em resumo, o trabalho do Aprove no ano de 2017 foi permeado por diversos momentos de reflexão junto aos professores e alunos e, posteriormente, por reestruturações no planejamento das atividades para que as demandas dos grupos pudessem ser atendidas. A atuação dentro da escola é muito mais complexa do que era imaginado e, além das dificuldades próprias da instituição onde trabalhamos, há também um problema epistemológico sobre o sentido e a função da Escola nos dias atuais. Esta falta de clareza quanto aos objetivos da educação pública no Brasil interfere negativamente no trabalho dos professores e no aprendizado dos alunos, além de contribuir para relacionamentos conturbados entre todos aqueles que frequentam este tão importante espaço.

Em conclusão, apesar de ainda existir muito por fazer, o trabalho do Aprove neste ano proporcionou um vislumbre das ricas possibilidades que a educação tem a oferecer, não apenas no que diz respeito às disciplinas ensinadas, mas também nas relações ali construídas.

Referências bibliográficas:

BRITTO, V. M. V. e LOMONACO, J. F. B. – Expectativa do professor: implicações psicológicas e sociais. Psicol. cienc. prof. vol.3 no.2 Brasília, 1983.

ROSENTHAL, R. e JACOBSON, L. — Pygmalion in the Classroom. New York: Holt, Rinehart e Winston, 1968.

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